(Imagem da internet)
Quando estávamos parados devido às sondagens o barco foi invadido por uma nuvem de borboletas, milhares delas cruzaram por nós, em sua migração.
É um panapanã, me explicou Adauto. Traz sorte.
Já são onze dias de “Madeira adentro “, como o pessoal fala.
Despertei com um vento frio penetrando o cobertor em que me enrolei, e caminhei pelo flanco esquerdo do barco, fui sentar lá na proa.
Há bastante cerração pela nossa frente, um denso nevoeiro sobre o rio, que o barco vai cortando. Mas lá atrás na popa se vê o horizonte clareando e se matizando de cores mutantes.
E um sol enorme e rubro emerge do verde da mata, dissipando nesgas vagabundas de neblina e tingindo de um vermelho embaçado as pequenas ondas que o barco faz. E nos torpedeando à flor das águas com uma esteira de ouro. Amanhecer assim é deslumbrante, especialmente depois de uma noite como a passada.
Ontem o barco encostou, jantamos, fez-se noite escura.
Sempre me toca fundo o momento em que se apaga o motor e se faz silêncio.
Rio e floresta mudos, nada mais se ouve na noite.
E um sentimento de desolação e abandono se apossa da gente.
Então, se um barco se faz ouvir no rio e vai se aproximando na escuridão, o ruído do seu motor é como uma música misteriosa que vai crescendo e nos aquece o coração. (O “poc-poc” distante imediatamente me transporta para o meu quarto de dormir, na infância, onde eu adormecia escutando as gasolinas do rio Caí.)
Apagado o motor, fez-se o silêncio.
Mas aí dentro dele se ouviu límpido, cristalino o rumor de um filete de água correndo…
Seu Ferreira e Totonho se buscaram no mesmo olhar paralisado pelo mesmo pensamento, que a reação imediata do baiano explicitou: o barco estava fazendo água!
Totonho correu para baixo e rapidamente pôs a funcionar a bomba exaustora motorizada, mandando Piqueno e Adauto acionarem a bomba manual.
Mas por mais que retirassem água, não conseguiam secar o fundo dos porões, já bem molhado. Este barco é velho e seu casco de madeira tem escoriações que há tempo pedem conserto. Tem calafetas que estão rotas. Por alguma delas estava entrando água e, se não se interrompesse a infiltração, antes de clarear o dia iríamos afundar…
Na minha mente foi se instalando a iminência da catástrofe.
E o filme antecipado do naufrágio começou a rolar, com aquela água subindo cada vez mais no porão e o barco adernando pelo lado direito. E em seguida a popa afundando, fazendo soerguer a proa do barco…
Talvez houvesse esperança, talvez ali junto da margem a profundidade das águas fosse menor e o barco só afundaria pela metade… Teríamos que passar a noite empoleirados na parte não submersa…
E quando clareasse o dia os dois mais aptos soltariam a canoa e remariam até a outra margem do rio, pra buscar auxílio.
Mas do outro lado do rio só existe floresta virgem, como nesta margem…
Então a única chance será remar até o meio do rio e ficar ali sinalizando, à espera de uma embarcação que possa nos socorrer.
Isso pode tomar alguns dias, e para sobreviver nestas condições temos que salvar a comida, antes que o barco afunde de vez.
Racionando os mantimentos disponíveis podemos aguentar algum tempo.
O jeito será transportar os alimentos e o fogãozinho para um lugar seco na margem, antes das águas engolirem tudo…
Vamos limpar um pedaço de mata, do jeito que der…
Abrimos uma clareira… Um refúgio na margem do rio…
E nos acomodamos ali.
Os sacos e fardos da carga no porão estão empilhados sobre paletes de madeira…
Podemos recuperá-los das águas…
E vão servir de assoalho do nosso refúgio na mata.
Todo esse cenário e ainda outras visões mais sinistras foram se infiltrando na minha mente assediada pelo pânico, como se quisessem me preparar para o que estava por acontecer.