Quando vejo na agenda global a preocupação com o aumento da população mundial, traduzida pela disseminação legal do aborto, pela pregação da eutanásia e das relações inférteis, penso que a questão não tem sido tratada como deveria. E que o silêncio a respeito é cúmplice.
Neste momento de pandemia, em que é impossível acessar qualquer veículo de comunicação sem escutar ou ler a palavra coronavírus, acho que já a escutei mais de dez mil vezes. Por baixo. Trata-se de um recorde, não superado por nenhum outro evento de qualquer modalidade. Ganha fácil de Páscoa, Natal, Olimpíadas e Copa do Mundo. Pois bem, decidi pesquisar um pouco sobre outras pandemias, mas não no estilo da gripe espanhola, peste negra ou ebola.
Me debrucei na pandemia de abortos, cujos fatos e números são estarrecedores. Em primeiro lugar porque a decantada Organização Mundial da Saúde lhes dá suporte e recomenda “métodos seguros”. Claro, em nome da saúde! Isto é mais que tergiversar, é colocar-se a serviço da morte com o jaleco da medicina. Em segundo lugar porque o número de abortos induzidos passa, por ano, de cinquenta milhões no mundo. Mais da metade é considerada “segura” … porque realizada em países que legalizaram o aborto. É claro que os defensores do genocídio contra inocentes argumentarão que a mãe é dona de seu corpo e que sua opção se baseia na proteção da saúde das mães, que correriam risco em abortos inseguros, frequentes em países ou classes sociais mais pobres. Convenhamos que este raciocínio é digno de um Herodes. De mais a mais, a mãe é dona de seu corpo, sim, mas de seu corpo, não do corpo de um inocente.
Em meio a tantos disparates, teólogos e filósofos poderiam dar sua valiosa contribuição, mas os primeiros são ridicularizados sempre que possível pelos que se dizem modernos, seja lá o que isto possa significar. Quanto aos filósofos, andam por aí com uma conversinha de boteco, para plateias sedentas de besteirol com esparsas pinceladas de alta cultura, que sequer entendem. Do meu ponto de vista, muitos que se intitulam filósofos e vendem palestras a peso de ouro encantam rebeldes sem causa e pseudointelectuais, mas não passam de autores de autoajuda.
Conheço alguns destes picaretas de sucesso e gostaria de entrevistá-los, mas se esquivam na escusa de que não têm agenda. Para constranger o secretário de um deles, respondi que não me preocupava o tempo. Poderíamos marcar o encontro com um ano de antecedência. É claro que a ironia não mereceu resposta. Mal me consola o fato de que esta deserção de filósofos de seu campo de trabalho não é privilégio desta parte do mundo. Em seu livro “Horror metafísico” Kolakowski registrou que “Por bem mais de cem anos, uma grande parte da filosofia acadêmica tem se dedicado a explicar que a filosofia é impossível, inútil ou ambas as coisas. Consequentemente, a filosofia prova que seguramente e felizmente pode sobreviver à sua própria morte, mantendo-se ocupada em provar que de fato morreu”.
Quando os filósofos abdicam de seu papel e a teologia é sufocada pela ideia de que o homem moderno só precisa de ciência e não carece de crendices ou de rezas, a humanidade acaba encurralada na sua pequenez, no indiferentismo religioso ou no ateísmo militante ou inconsciente. Sem referências espirituais, crescem as chances de tiranização da sociedade, sob a ilusão de que estamos em boas mãos, regidos pela OMS e pelo Estado de Direito deturpado.
Hayek em seu “Caminho da servidão” denuncia o totalitarismo como um sistema que sinaliza as estradas, mas força a escolha de um caminho. Mostra o que resulta de coletivismos como o socialismo e o fascismo, que aponta como sucedâneo do socialismo fracassado. Aliás, um dos capítulos do livro chama-se “As raízes socialistas do nazismo”. Frequentemente não pensamos com a nossa cabeça, senão para piorar as coisas. Órfãos de pensadores, pode nos sobrevir a tentação de pular etapas, abraçando de forma irrefletida modismos ou palavras de ordem, como aquelas repercutidas por pregadores de rede social, mesas de bar e mesmo de púlpitos, na defesa do socialismo, que mal conhecem, sonhando venturas que não existem.
Penso que já vivemos num mundo totalitário, sob aparência liberal. As leis são demasiadas e contemplam particularidades, descendo a um detalhamento insano, típico de sociedades planificadas, que convertem o Estado de Direito numa mixórdia de insegurança e de privilégios. Não há como reverter isto sem resgatar a filosofia e sem libertar a teologia de seu cativeiro.