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A estética da decadência

  • Maio 28, 2023
  • Cultura
  • João Baptista Teixeira

Prefiro andar pela beira do mar deserta, ou apenas ocupada por esparsos pescadores e andantes. Esta condição, entretanto, só se dá em manhãs geladas ou muito, muito cedo, quando o sol ainda dorme. Não se trata de exclusivismo, mas da condição propícia para a contemplação, sem que os olhos sejam atraídos por nada além do mar, do céu, da areia e da fauna que pintalga o cenário marinho.

Numa manhã de um domingo com temperatura amena, de uma jornada que se prenunciava sombria, coloquei o pé na areia pouco antes das sete. Fora de temporada, sem feriadão, não havia muita gente. Lá pelas tantas avistei um trio de senhoras a fotografar-se. Era inevitável passar por elas, mas o fiz ao largo. Naqueles instantes uma delas posava.

Não era moça, tinha nítido sobrepeso, não era bonita e sua vestimenta não ajudava o quadro. Com uma perna ligeiramente dobrada e indefectíveis óculos escuros, elevara os braços para sustentar atrás de si um lenço, que oscilava com a suavidade da brisa matutina. Autoestima não é tudo, mas quase.

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Gostamos de cachorros, particularmente de pastores alemães. Quem os conhece sabe que são dóceis, bons de guarda e obedientes. Já tivemos um que se destacava pelo porte e beleza. Soube que, entre os criadores da raça, é preciso analisar algumas qualidades, sobretudo de virilidade e coragem. Para atestar seu destemor, pode-se disparar um tiro e observar sua reação. Se buscar um “debaixo da cama” não será aprovado como reprodutor.

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Decorridos poucos meses de uma eleição presidencial que dividiu o país, que ungiu por margem estreita um candidato considerado “ficha limpa” na bacia das almas, os vencedores constituem um grupo que excede os políticos. Incluem-se entre eles órgãos de imprensa e parte do que se entende como judiciário.

Devagar e sempre, foi instalada uma caça às bruxas e o resultado palpável do garrote na liberdade de expressão é o medo. O pavor de ter sua vida liquidada por uma simples opinião. No terreno das garantias individuais e do direito de propriedade, uma insegurança que longe está de nossa tradição. Um juiz aqui, outro acolá, exara decisões de arrepiar o pelo, embaçando o espelho da verdade por um vapor, digamos assim, justiceiro. Um juiz é um juiz. Não pode virar um justiceiro, por melhores ou piores que sejam suas intenções.

Se conhecíamos o fazer justiça com as próprias mãos, agora presenciamos o fazer justiça com as próprias leis. Esta fumaça não parece ser a do bom direito e ai daquele que desconfiar que nossos tribunais não são sacrossantos. Os brasileiros, hoje, podem duvidar da Bíblia, do Papa ou mesmo da lei da gravidade, mas ai daquele que contestar o processo eleitoral.

Os que comandam o país parecem acreditar que foram escolhidos por unanimidade e portanto têm carta branca para mandar prender ou soltar, para atropelar direitos e denominar opositores como fascistas. Aos tantos que têm poder, mas não têm autoridade, recitaria como Gumercindo, personagem de “As mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch: “Sacripantas! Metidos a intelectuais. Metidos a requintados. Metidos a blasés! Vão pro inferno vocês”.

Quem não segue a cartilha e não reza segundo ela passa a ser perseguido. Em meio a tudo isto, os representantes no Congresso não estão à altura da crise que vivemos. Os que perseguem a verdade e recusam benesses não constituem maioria e, portanto, estamos órfãos. De pai e mãe.

Quanto às Forças Armadas, já escutei de alguns ressentidos que não passariam pela prova a que são submetidos os pastores alemães. De outros, que simplesmente incorporaram o espírito malfadado no Brasil de funcionários públicos acomodados em privilégios e estabilidade.

Como se vê, já vai longe o tempo em que sorríamos por nada, em que nos acreditávamos deitados em berço esplêndido. Eternamente. De opiniões duras, não raro injustas ou exageradas, vamos desacreditando em tudo, desconfiando de tudo e de todos, como condôminos de uma Babel.

Aos tantos que enchem a boca propagando o estado de direito, na suposta defesa da democracia, no combate a notícias falsas, evocaria Sobral Pinto. Segundo ele, mais importante que o estado de direito é o estado de justiça. Convenhamos, num país com tanta desigualdade e tanto larápio liberto por ardis jurídicos, é preciso estar cego para acreditar que um Sobral Pinto estaria satisfeito se vivo fosse.

Aquilo que se imagina democracia no Brasil me faz lembrar do ensaio fotográfico amador na praia. Fazem pose, caras e bocas, fantasiam-se com ternos, capas e medalhas, mas não há câmera que opere o milagre de atribuir beleza à cena. Os braços erguidos, a segurar a bandeira do país, não merecem a condição de mastro. Lhes falta dignidade.

Se os matadores de aluguel cumprem mandatos de morte de desafetos por dívidas, ciúmes ou disputas de poder, há matadores na função pública que fuzilam nosso futuro, num arraial que deveria ser de progresso, numa praça de guerra com balas perdidas.

Em meio ao medo generalizado, marcadamente nas redes sociais, o que fazer? Por ora, neste tempo de falsos brilhantes, canto com João Bosco, esperando, quem sabe, o coelho “da cartola surrada da esperança”.

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