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A poesia nos conforta (Alphonsus de Guimaraens, 1870 – 1921)

  • Junho 4, 2023
  • Cultura
  • Rosarita dos Santos

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Alphonsus de Guimaraens – ou Afonso Henrique da Costa Guimarães – é um escritor e sobretudo um poeta brasileiro; ele viveu de 1870 até 1921; nasceu em Ouro Preto, Mina Gerais, e morreu na cidade de Mariana, no mesmo estado.

Ele é filho de uma família de nacionalidade portuguesa; em 1887, inscreve-se na faculdade como estudante de Engenharia, mas em 1890 ele vai para São Paulo e lá completa a Faculdade de Direito do Largo São Francisco; a partir de então passa também a exercer a função de jornalista, colabora com o vespertino diário A Gazeta, e publica “Kyriale” em 1902, sob o pseudônimo de Alphonsus de Guimaraens, sendo essa obra bem reconhecida pelos críticos literários.

O poeta tem a oportunidade de passar uma temporada em França, lá ele frequenta os intelectuais franceses e de lá ele traz para sua pátria algumas versões traduzidas de poesias francesas. O cargo que ele exercia como juiz-substituto desaparece, mas ele é nomeado diretor do jornal mineiro Conceição do Serro. Pouco mais adiante, já em 1906, tornou-se juiz municipal de Mariana, para onde se transfere com sua esposa e filhos.

Lá vive em isolamento e passa a se dedicar basicamente à atividade de juiz e à elaboração de sua obra poética. Alphonsus de Guimaraens é apontado como um dos principais representantes do simbolismo no Brasil; em seus poemas, predominam temas como a morte, o amor impossível e a solidão. É interessante que se caracterize o que significa “simbolismo”; de maneira geral, possui as seguintes características: misticismo, musicalidade, rigor formal, uso de reticências, valorização do mistério, associação de palavras ou expressões em que ocorre combinação de sensações diferentes numa só impressão (sinestesia).

Os autores simbolistas duvidavam da razão e da realidade concreta; por isso, buscavam, por meio dos sentidos, atingir o plano das essências. Assim, podemos afirmar que a poesia de Alphonsus de Guimaraens realiza a valorização do não racional, ou seja, do mistério; que seu apreço se volta pelo não consciente, e que sua poética busca o espiritual e o imaterial; ele realiza, assim, sua crença na existência de um mundo ideal; ainda, o autor possui uma poesia marcada pela forte religiosidade e até pela morbidez.

Selecionei dois poemas de Alphonsus de Guimaraens que expressam o afirmado; inicialmente, “A Catedral”, de 1906, e depois “Ismália”, publicação de 1910.

Primeiro: “Entre brumas ao longe surge a aurora, / O hialino orvalho aos poucos se evapora, / Agoniza o arrebol. / A catedral ebúrnea do meu sonho / Aparece na paz do céu risonho / Toda branca de sol. // E o sino canta em lúgubres responsos: / “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”// O astro glorioso segue a eterna estrada. / Uma áurea seta lhe cintila em cada / Refulgente raio de luz. / A catedral ebúrnea do meu sonho, / Onde os meus olhos tão cansados ponho, / Recebe a benção de Jesus. // E o sino clama em lúgubres responsos: / “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” // Por entre lírios e lilases desce / A tarde esquiva: amargurada prece / Poe-se a luz a rezar. / A catedral ebúrnea do meu sonho / Aparece na paz do céu tristonho / Toda branca de luar. // E o sino chora em lúgubres responsos: / “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” // O céu é todo trevas: o vento uiva. / Do relâmpago a cabeleira ruiva / Vem acoitar o rosto meu. / A catedral ebúrnea do meu sonho / Afunda-se no caos do céu medonho / Como um astro que já morreu. //E o sino chora em lúgubres responsos: //”Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”. Observação, no segundo verso, o termo “hialino” significa “cristalino, diáfano”.  No texto predomina o natural, o musical e o religioso; ele é cheio de ternura, delicadeza e melancolia. “Brumas”, “evapora”, “lúgubres” e “esquiva” são termos e expressões que conotam o vago, o obscuro, o místico; o poeta nos demonstra a passagem de um dia, sugerindo o transcurso de um dia. Em síntese, o poema é montado no interesse do espírito íntimo do poeta, com ênfase em sua imaginação e em sua fantasia.

Segundo poema, “Ismália”: “Quando Ismália enlouqueceu, / Pôs-se na torre a sonhar… / Viu uma lua no céu, / Viu outra lua no mar. // No sonho em que se perdeu, / Banhou-se toda em luar… // Queria subir ao céu, / Queria descer ao mar… // E, no desvario seu, / Na torre pôs-se a cantar… / Estava perto do céu, / Estava longe do mar… // E como um anjo pendeu / As asas para voar… / Queria a lua do céu, / Queria a lua do mar… // As asas que Deus lhe deu / Ruflaram de par em par… / Sua alma subiu ao céu, / Seu corpo desceu ao mar…”. Claramente, o poeta quer enfatizar essa dualidade antagônica presente em todos os versos e principalmente entre “vida” e “morte”, “corpo” e “alma”, “realidade” e “fantasia”. “Ismália” é um desses poemas que consagram um autor; ele conta com inúmeras adaptações para o teatro, para o cinema e até para a música, e é sem dúvida um dos mais celebrados poemas da literatura brasileira.

Finalizando, a poesia de Alphonsus de Guimaraens é marcadamente mística e religiosa; seus sonetos são dotados de uma estrutura clássica e são profundamente sensíveis, à medida em que exploram o sentido da solidão e da inadaptação ao mundo. Contudo, ele imprime em sua obra um sentimento de aceitação e resignação diante da própria vida, dos sofrimentos e dores. Ele nos auxilia a ultrapassar o indesejado; a gentileza de sua arte nos conforta.

 

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