Skip to content

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo – Murilo Mendes, 1901-1975

  • Junho 18, 2023
  • Cultura
  • Rosarita dos Santos

 

Murilo Mendes foi dotado de uma inteligência múltipla; ele nasceu em Juiz de Fora e morreu Lisboa, foi um poeta, prosador e crítico de artes plásticas, inicialmente foi um católico fervoroso, o que não o impediu de se tornar um expoente do surrealismo da literatura brasileira e um crítico acirrado da sociedade de seu país. Enquanto jovem, ele tentou várias ocupações para seu provimento cotidiano, tais como farmacêutico, funcionário de banco e escrevente de cartório.

Nunca adaptou-se a nenhum desses empregos, porém, começou cedo a produzir textos e poemas que destacaram-se a seguir; contam-se suas obras poéticas em mais de vinte e cinco antologias, e ainda há três seleções póstumas e várias publicações inéditas. Pelos seus trinta anos, o poeta voltou sua atenção ao Rio de Janeiro e lá conviveu por um certo período, confraternizou com todos os artistas de então, mas a seguir instala-se fora do país, mais especificamente, em Roma. Mais adiante, ele encontra-se com João Cabral de Melo Neto o qual, como diplomata, o acolhe ao longo do exercício de seu serviço público em Barcelona e Sevilha.

É nesse período de vida que Murilo Mendes adota o surrealismo, então em vigor na Europa. Essa tendência cultural manifesta-se inicialmente na década de 20, ela foi fortemente influenciado pela psicanálise de Freud e dessa forma se enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa, sendo seu principal objetivo o de produzir uma arte que, segundo o movimento, estava sendo destruída pelo racionalismo. Mais adiante, entre as décadas de 40 e 50, o poeta volta ao Brasil e novamente elabora poesias tocadas pelo catolicismo, mesmo que ele, agora, permita-se desenvolver críticas culturais e sociais.

Entre as obras de Murilo Mendes, destacamos “Poemas”, de 1930, como uma das mais importantes. Sendo parte de “Poemas”, temos “Canção do exílio”: “Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturamos de Veneza. / Os poetas da minha terra / são pretos que vivem em torres de ametista, / os sargentos do exército são monistas, cubistas, / os filósofos são polacos vendendo a prestações. / A gente não pode dormir / com os oradores e os pernilongos. /  Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. / Eu morro sufocado / em terra estrangeira. / Nossas flores são mais bonitas / nossas frutas mais gostosas / mas custam cem mil réis a dúzia. // Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade / e ouvir um sabiá com certidão de idade!”

Observamos que o poeta passa a dedicar-se à reflexão do mundo contemporâneo e que a poesia está focada no contexto sociopolítico. Além disso, ele utiliza o humor e a sátira para apresentar a sua “Canção do exílio”; ele denuncia a invasão cultural estrangeira no Brasil, ele não se conforma em se aceitar tudo o que vem de fora, as frutas, os pássaros, os artistas, as ideologias… Ele tem consciência de que também temos coisas boas e que temos de valorizá-las; temos de comprar nossas frutas que são as melhores mas que, quando comercializadas aqui, custam muito.

Essa desigualdade faz o poeta sentir-se um exilado em sua própria terra. Na última estrofe, o poeta propõe uma forma de “abrasileirar” o Brasil, expressa pela vontade de “chupar uma carambola de verdade” (da terra, do Brasil) e de ouvir um sabiá cantar, mas que tenha uma certidão de nascimento que comprove a nacionalidade brasileira! Outra coletânea de destaque é “História do Brasil”, editada em 1932.

O autor a considera absolutamente à parte em sua obra, de tal forma, que ele dizia destoar do restante de seu trabalho, devido à “face brasileira” ou “carioca”, onde se pode entender o caráter gozador de nosso povo que já se habituou a rir de tudo, mesmo das calamidades.

Um bom exemplo desse livro “História do Brasil” é a obra-prima “Linhas Paralelas” que consegue captar, com imenso sarcasmo, o absurdo burocrático-administrativo do país: “Um presidente resolve / Construir uma boa escola / Numa vila bem distante. / Mais ninguém vai nessa escola: / Não tem estrada para lá. / Depois ele resolveu / Construir uma estrada boa / Numa outra vila do Estado. / Ninguém se muda para lá / Porque lá não tem escola”. Finalmente, detemos nosso olhar no poema “Cantiga de Malazarte”: “Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo, / ando debaixo da pele e sacudo os sonhos. / Não desprezo nada que tenha visto, / todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola. / Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos, / destelho as casas penduradas na terra, / tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando. / Desloco as consciências, / a rua estala com os meus passos, / e ando nos quatro cantos da vida. / Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido, / não posso amar ninguém porque sou o amor, / tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos / e a pedir desculpas ao mendigo. / Sou o espírito que assiste à Criação / e que bole em todas as almas que encontra. / Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo. / nada me fixa nos caminhos do mundo.”

O poeta, de fato, neste seu poema, adota como método de construção literária uma forma de reunião de elementos, de sentimentos, de pensamentos que, apesar de serem díspares, reúnem-se em uma escrita que vai do real ao imaginário, do sonho à matéria, do cotidiano ao eterno. Esta cantiga comprova ser Murilo Mendes um dos grandes poetas do século XX!

 

Não contém vírus.www.avast.com

Categorias

  • Conexão | Brasil x Portugal
  • Cultura
  • História
  • Política
  • Religião
  • Social

Colunistas

A.Manuel dos Santos

Abigail Vilanova

Adilson Constâncio

Adriano Fiaschi

Agostinho dos Santos

Alexandra Sousa Duarte

Alexandre Esteves

Ana Esteves

Ana Maria Figueiredo

Ana Tápia

Artur Pereira dos Santos

Augusto Licks

Cecília Rezende

Cláudia Neves

Conceição Amaral de Castro Ramos

Conceição Castro Ramos

Conceição Gigante

Cristina Berrucho

Cristina Viana

Editoria GPC

Emanuel do Carmo Oliveira

Enrique Villanueva

Ernesto Lauer

Fátima Fonseca

Flora Costa

Helena Atalaia

Isabel Alexandre

Isabel Carmo Pedro

Isabel Maria Vasco Costa

João Baptista Teixeira

João Marcelino

José Maria C. da Silva...

José Rogério Licks

Julie Machado

Luís Lynce de Faria

Luísa Loureiro

Manuel Matias

Maria Amália Abreu Rocha

Maria Caetano Conceição

Maria de Oliveira Esteves

Maria Guimarães

Maria Helena Guerra Pratas

Maria Helena Paes

Maria Susana Mexia

Maria Teresa Conceição

Mariano Romeiro

Michele Bonheur

Miguel Ataíde

Notícias

Olavo de Carvalho

Padre Aires Gameiro

Rita Gonçalves

Rosa Ventura

Rosário Martins

Rosarita dos Santos

Sérgio Alves de Oliveira

Sofia Guedes e Graça Varão

Suzana Maria de Jesus

Vânia Figueiredo

Verónica Teodósio

Virgínia Magriço

Grupo Progresso de Comunicação | Todos os direitos reservados

Desenvolvido por I9