Os alarmes vão soando. Os bebés passam tempo demais com jogos de ecrã e magias incorpóreas, não fazem os seus brinquedos e crescem cada vez mais sem relações com pessoas. As pessoas, mesmo os pais, passam por elas à pressa, quase sem interações e falas de humanas; agitam-se sem tempo para lhes dar atenção, brincar com eles e animar os seus esforços e progressos. Apressados, tapam-lhes a boca, os olhos, os ouvidos, os corpos de entulhos de prazer para os calar e acalmar.
Infelizmente, também os jovens-adultos são saciados de artefactos mágicos, tabaco e drogas, sem interação com pessoas significativas. E assim, mais horas passadas com não humanos, menos treino humano relacional, menos se aprende a viver em comunidade e solidariedade democrática, comentava Yuval Noah Harari, em entrevista recente. Democracia só se aprende em encontros de pessoas que se falam e entreajudam nas decisões. Caminha-se para a desumanização de efeitos imprevisíveis.
Se as máquinas das redes e da IA (Inteligência Artificial) tomam as decisões teremos pessoas maquinais e vazias. As dependências de redes, tabaco, álcool, drogas, alimentos excessivos, sexo obsessivo-compulsivo e o jogo clicam sempre mais por dopamina cerebral e prazer rápido insaciável. Alguns estudos sugerem que o uso do telemóvel fornece doses baixas desse neurotransmissor do prazer, e daí mais repetições. As imagens, anotações e vídeos do ecrã pressionam o utilizador a continuar.
O dependente do ecrã ou dos químicos fica conectado a coisas e à magia do virtual para obter reforço de prazer. Vive mais distante e alheado da realidade e das pessoas à procura de prazer.Desligado de tudo já não é bem ele próprio. Nem basta vincular-se a animais. Com eles não se comunica. As crónicas falam do aumento de agressões e mortes violentas nas famílias, e fora delas, de mais vítimas entre mulheres e crianças. Menos relações positivas entre pessoas, mais dependências, crises e crimes.
E surgem questões de especialistas preocupantes: delinquentes e criminosos desligam-se do real, do respeito pelo seu corpo e pelo das vítimas. Este alheamento explicará a tendência cultural de rejeição e de maus tratos do próprio corpo?
Estudos europeus, que incluíram Portugal, apresentam automutilações, feridas com objetos cortantes e bizarros de procura de prazer para acalmar a ansiedade, o stresse e o vazio. Parecem tentativas de se libertar do organismo com que se nasce, mesmo pelo suicídio tentado. Faz falta acolhimento e ajuda a tantos fragilizados, agressores e suas vítimas! Yuval Harari referiu (na entrevista à Fundação Francisco Manuel dos Santos) a sua observação de pessoas a exclamar: estou tão “excitado” por este encontro contigo!
A sugerir que muitos, hoje, precisam de encontros e conversas; a solidão faz ansiar por encontros empáticos e conversas. Vive-se a correr, sem tempo para isso, num mundo de cada vez mais pessoas mudas, surdas e cegas sem tempo para os ansiosos por encontros de fala recíproca e coração. «Como ovelhas fatigadas e abatidas sem pastores compassivos» (cf. Mt. 9, 36), sofre-se cada vez mais da sede e fome de alguém.
Tem cabimento o apelo de Cristo: «vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei» (Mt.11, 28-30). Doses repetidas de prazer, de poder e de ter não saciam a falta de relação humanizada. Santo Agostinho tentou saciar-se com coisas e algumas relações com pessoas das filosofias, mas acabou por concluir com a sua afirmação intemporal: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (As Confissões, I, 1,1).
Este tempo de rapidez incrível, mudanças artificiais e magia irreal, não permite maturar o biológico, o mental e o espiritual do transcendente divino. Destrói-se a criação e a pessoa, e tenta-se destruir Deus. Espanta que os homens façam tanta coisa com inteligência e se destruam reciprocamente. Com tanta pressa e conectado a coisas a criança e o jovem não se desenvolvem como humanos nem como peregrinos do Além.
É preciso parar e pensar com ajuda de pessoas. O Papa Francisco lamenta a “pressa diária, que não deixa parar, socorrer e cuidar do outro” (13.06.23); nem “escutar, dialogar, compreender” nem os “vizinhos de casa”, com encontros recíprocos. “Uma esmola apressada” é pouco. A pressa é censura que não é só do tempo de Salazar (no regime do “Estado Novo”). Há censura na rádio, TV e noutros meios, com truques para não se pensar. As coisas mais importantes são lidas de forma apressada, ansiosa e com má dicção; as banalidades, interesseiras para alguns, roubam todo o tempo, repetidas meia dúzia de vezes com muita ênfase.
O leitor que verifique e tome nota. Sem boas relações humanas não há pessoas boas. Sem relação espiritual com as três pessoas da Trindade, os cristãos não alcançam a santidade. «Homens sede homens, disse Paulo VI em Fátima, (13.05.1967); homens, sede bons»!
Funchal, 21 de junho de 2023