Vera e Isabela eram duas irmãs muito diferentes, mas sempre muito amigas. Com dez anos mais, naturalmente Vera sentia- se quase como mãe de Isabela e durante muitos anos tivera poderoso ascendente sobre a irmã.
Alguns anos antes, quando a mãe já estava prestes a morrer, chamara Vera e pedira- lhe para velar por Isabela, dizendo- lhe que cuidasse dela…’ porque sabes como ela é…’
Sim, Vera sabia, e agora que a situação parecia piorar de dia para dia, impunha- se falar com Isabela, mas a conversa seria difícil e faltava- lhe a coragem…
Porém, chegara o dia e a oportunidade era um convite para a festa de 40 anos de Isabela, que teria lugar dentro de duas semanas …
Sentadas a um canto da esplanada, Isabela só queria falar da festa e das toilettes…
Vera porém, foi direta ao assunto.
– Que se passa contigo, Isabela? Quando te decides a crescer?
Procurava falar baixo e com calma, mas Isabela não gostava nada daquela conversa, e à medida que ia ouvindo Vera, de olhar perdido no copo de sumo, parecia cada vez mais agitada, levantava a voz e algumas pessoas já olhavam para elas…
– Estás a chamar- me nomes? Só tens coisas desagradáveis para me dizer?
-Não, estou só a querer que caias em ti… que dês conta de como te estás a afundar… e a prejudicar o teu filho…
– E agora, ainda por cima dizes que sou má mãe ?
– Não disse isso!
– Criticas tudo o que faço: a forma como me visto, os namorados que escolho ou deixo para trás, as minhas amizades, a educação que dou ao meu filho… tudo! Tudo! Mas olha, eu visto- me como gosto, mostro o que me apetece e se alguém não gosta, que não olhe… gasto o meu dinheiro como quero e ninguém tem nada com isso! Quanto ao meu querido filho, gosto muito dele e não lhe falta nada: pago- lhe um bom colégio, tem actividades de tempos livres, explicações, vai agora para Inglaterra um mês para aprender bem inglês … sabes que mais? estou farta dos teus conselhos …estás sempre a querer mandar em mim…olha, passa bem! Tenho marcação no cabeleireiro agora e depois tenho de voltar para o escritório.
Não queres vir à minha festa, não venhas…não fazes lá falta nenhuma… adeus!
E dizendo isto, Isabela levantou- se da mesa intempestivamente e foi- se embora, furiosa!
Dizer algumas verdades à irmã sempre fora difícil para Vera, sobretudo porque a última coisa que desejava era erguer um muro entre elas ao ponto de ficarem de relações cortadas. Vera não conseguia viver em conflito. Nascera para fazer pontes entre as pessoas…ao contrário da irmã, não era nada tão bonita, pouco ligava ao social, às roupas, festas e não tinha dinheiro, nem tempo para andar constantemente no ginásio e cabeleireiro. A irmã era advogada e ela era enfermeira. A irmã tinha um filho e era solteira, enquanto Vera era casada com um homem que partilhava com ela os mesmos valores e convicções, e eram pais de três filhos, um ainda em casa e a acabar o liceu e dois já a trabalhar e casados recentemente. Tinham Carreiras profissionais e vidas familiares muito diferentes.
Contudo, ver a irmã já com um filho de dez anos e ainda numa grande instabilidade afetiva, incapaz de manter uma relação séria e duradoura, sempre na obsessão pela elegância, beleza, social, diversão … como se fosse uma adolescente…preocupava- a muito! Lembrava- se do que prometera à mãe… mas como ajudar alguém que não quer ser ajudada?
Na verdade, Isabela acabara de perder mais um namorado, desta vez um homem que parecia ser boa pessoa e gostar mesmo dela, com quem tinha vivido três anos. Queria casar com ela e tinha boa relação com o filho de Isabela, por isso o miúdo estava desolado e sofria com aquela separação…mas quem aguentava uma mulher que apesar de ser linda, era só isso mesmo? No fundo, Isabela vivia completamente focada no culto do seu eu, da sua beleza e passava o tempo entre trabalho, cabeleireiro, ginásio, massagem, compras de roupa e sapatos… e não via como se tornava cada vez mais vítima das suas escolhas e em breve , com o passar dos anos , ver- se- ia condenada à solidão e esquecimento… e o dinheiro que gastava? E agora ali estava ela preparando- se para mais uma festa faustosa e sem sentido…
Vera pagou a conta e saiu do café, caminhando lentamente e escondendo as lágrimas por trás dos óculos escuros…
Os dias foram passando, até que chegou a véspera da festa dos 40 anos de Isabela.
Vera tinha estado de serviço no hospital até tarde e não olhara para o telemóvel. Ao entrar no carro, foi verificar as mensagens e encontrara três de Isabela: ‘Mana, preciso falar contigo!’, ‘Vera querida, liga- me a qualquer hora…’, ‘Por favor, mana, estou à espera do teu telefonema…’.
E Vera ligou- lhe do carro.
Do outro lado, respondeu- lhe Isabela:
– Mana querida, desculpa- me por favor… fui tão mal- educada, injusta e ingrata contigo… tu tens toda a razão ! Queria muito pedir- te desculpa, dizer- te que o Jorge quer mesmo casar comigo e eu disse que sim… o meu filho está feliz! E peço que venhas com teu Marido, amanhã à minha festa… vai ser diferente! Vem jantar connosco por favor… vem! Não conseguiria fazer festa sem ti…
Vera mal podia acreditar no que estava a ouvir… e agradeceu ,comovida.
– Claro que iremos ao teu jantar, querida Isabela!… obrigada pelas tuas palavras! fico feliz por te ouvir! Um grande beijinho de boa noite!
Nessa noite, ao deitar- se, Vera não pôde deixar de pensar que lá em cima, certamente a mãe estaria a sorrir com ternura às duas filhas… e talvez tivesse ‘mexido os cordelinhos’ para conseguir uma tal reviravolta…