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Conhecer e ser bom: More, Pascal e Ratisbonne

  • Junho 28, 2023
  • Conexão | Brasil x Portugal
  • Padre Aires Gameiro

Marie-Alphonse Ratisbonne

 

Para que serve a Filosofia? Quando estudei Filosofia no seminário de Angra do Heroísmo, este mantinha um nível de ensino notável com professores altamente competentes. Lembro com saudosa admiração o Dr. José Enes e as suas lições sobre o ens, entis, o ser e o conhecer.

Sinto-me ignorante para falar da sua obra «Á Porta do Ser». Ficou-me a ideia de que ens (ser) se relaciona com saber e ser conhecido; e pergunto-me, agora, se a Filosofia do ser pára no saber ou se abre a porta para o ser bom.

Surpreende que o grande filósofo Peter Sloterdijk pareça dizer que o saber filosófico não tenha que associar verdade (alehteia) e bem (agathon); e que a ideia de politizar a Filosofia tem limites, a não ser no sentido mais religioso que político (cf. Peter Sloterdijk, Revista do Expresso,16.06.23 p.44).

Saber e conhecer será desocultar o real, o ser? O a de aletheia exprime a negação do ocultamento do real e abertura para o saber por visão nova da realidade, contrária à mentira e ao mal da falsidade que esconde o real e o bem do ser que conhece?

Aletheia tornaria o filósofo sábio, virtuoso e bom (agathon). Saber é, afinal, uma relação de verdade e de virtude bondosa com outros seres, homens e Deus. Entre uns e outros haveria o conhecer-se e a relação mútua de confiança entre Deus e os homens. Seria uma relação de aliança bíblica, política e religiosa, um pacto sério de que se vai ser de confiança e se cumpre o que se promete, à base da relação sábia (boa) que, segundo Bruno Carrasco, se exprime pela palavra hebraica “emunah” de que deriva o “amém” ou o sim ao bem.

Dá pena que tanta Filosofia, em tantas universidades, não influencie mais o autoconhecer-se de vida virtuosa nos responsáveis, governantes e políticos, das coisas públicas, da casa e bem comum. De entre eles, alguns são honestos e bons, mas tantos desmereçam a responsabilidade política depositada neles pelo jogo da democracia.

Há muito vazio de sinceridade e bondade, quando se nega a realidade da relação com Deus da aliança para quem se é responsável. Filosofia que rejeite o sentido religioso desta relação é casa sobre a areia sem telhado. A desarmonia social do pensar e conhecer torna-se terreno em que medra o joio de ervas venenosas de tantos abusos e maldades sociais que ameaçam o trigo do bem e ocultam o conhecimento do real na Filosofia e nas ciências humanas e, mais ainda, da sabedoria divina oferecida ao homem.

Serão muitos os que se tornam íntegros, bons e virtuosos? As leis votadas por maiorias, à maneira de pescas à rede, nem sempre ajudam. A manipulação, as lavagens ao cérebro, os proselitismos ideológicos e os populismos criam resistências e caldos culturais adversos à honestidade e autenticidade. As pescas ao anzol facilitam mais a metanoia da conversão pessoal quando transformam o coração. A conversão cristã acontece por maturação lenta ou iluminação instantânea. Harmoniza a própria essência do saber e ser bom, da missão pessoal feliz, a realização excelente (aretê dos gregos), e a comunhão dos santos do credo dos apóstolos.

Estou a escrever nas vésperas de S. João Baptista, que sabia quem era e para que nasceu; e no dia da festa de S. Tomas More (1478-1535), santo que em vez de mudar, resistiu e persistiu na coerência e harmonia do seu ser honesto, e político bom, confiando no Amor de Deus por ele, até ao ponto de Lhe dar a vida também por amor, como cristão de confiança, e dizer outra vez o seu amem à aliança que mantinha.

No passado dia 19 de junho no IV centenário de Blaise Pascal, nascido em 1623, o papa Francisco publicou a Carta Apostólica “Grandeza e Miséria do Homem” em que lembra que, no dia 23 de novembro de 1654, Pascal viveu uma experiência muito forte, a “Noite de fogo”, em que o filósofo e cientista chorou de alegria, «tão intensa e decisiva (foi) para ele que a escreveu num pedaço de papel datado com precisão, o «Memorial», que guardara no forro do casaco sendo descoberto só depois da sua morte. (…). Parece tratar-se dum encontro de que ele próprio reconheceu a analogia com aqueloutro, fundamental em toda a história da revelação e da salvação, vivido por Moisés diante da sarça  ardente» (cf. Ex 3). «Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob» ( Ex. 3, 6.15), acrescentando: «não dos filósofos e dos eruditos. Certeza, certeza, sentimento, alegria, paz. Deus de Jesus Cristo». Visão que desocultou o real para outro nível de conhecer e saber. «Duvidar de Deus é crer Nele» (Pascal).

Outro exemplo pertinente é o de Alphonse Ratisbonne, banqueiro judeu e ateu hostil à Igreja, que viveu a experiência forte de outro saber no dia 3 de junho de 1842, em Roma, da qual escreve que foi “um momento da queda da venda dos olhos” e de visão inefável em que num instante ficou com nova visão da sua vida e a saber o essencial da doutrina cristã de que nunca tinha lido nada. Um desocultamento do real, tapado pela venda dos olhos filosóficos. Pediu o batismo católico sem precisar de catequese. Cumpriu-se nos três casos o dito de Jesus: «Quem me segue não anda nas trevas, tem a luz da vida» (Jo. 8, 12).

Funchal, 27 de Junho de 2023

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