Raul Bopp nasce na região central do Rio Grande do Sul, na atual Itaara, próxima de Santa Maria, e falece no Rio de Janeiro, no então centro cultural do Brasil. Por volta de 1917, funda os semanários “O Lutador” e “Mignon”, em Tupanciretã, no Rio Grande do Sul; também cursa Direito, entre 1918 e 1925, em Porto Alegre, Recife, Belém e Rio de Janeiro, frequentado cada ano letivo em uma capital. Após sua formatura, ele vem a ser diplomata.
Viaja, então, por todo o Brasil, tendo conhecido, sobretudo, a Amazônia, base para a construção de sua obra-prima, “Cobra Norato”. Este é considerado seu principal livro e obra mais importante do movimento antropofágico. A obra ostenta a grandeza do mundo em formação que é o Amazonas; pela força de suas descrições, pelo lirismo que informa o poema, pelo seu aproveitamento das raízes populares, é um documento de valor definitivo do Modernismo brasileiro.
Sendo uma importante obra relacionada ao iniciante modernismo de nossa cultura, livro apresenta configuração inspirada nas vanguardas europeias, especialmente no estilo de compor cubista, ou seja, a substituição das representações do espaço tridimensional pela apreensão simultânea das diversas formas – decompostas e geometrizadas – que se observam dos muitos ângulos de contemplação de uma obra.
Bopp participa da Semana de Arte Moderna de nosso país que ocorre em 1922 no Teatro Municipal da cidade de São Paulo e que posteriormente se divide em mais duas etapas dessa corrente cultural, a saber, de 1922 até 1930, de 1930 a 1945, fim da Segunda guerra Mundial, e de 1945 até 1960 ou, segundo alguns, até 1978. Nosso autor adere ao chamado Movimento Antropófago que inicia na década de 1920, sendo que a edição de seu livro mais importante, “Cobra Norato”, ocorre em 1931.
O “antropofagismo brasileiro” deseja criar uma poesia de exportação que tem como objetivo a deglutição – daí o caráter metafórico da palavra “antropofágico” – da cultura dos países europeus e estadunidense, também a dos ameríndios e a dos afrodescendentes, dos eurodescendentes e dos asiodescendentes, ou seja, não se deve negar a cultura estrangeira, mas ela não deve ser imitada.
O Modernismo no Brasil aparece como um movimento que preza pela independência e valorização da cultura cotidiana brasileira, e que respeita adotar a simplificação do discurso, assim como a aproximação da linguagem popular, outra destacada de suas características. Sabemos que o lançamento da obra-prima de Raul Bopp, “Cobra Norato” foi, certamente, um dos marcos do modernismo brasileiro.
Nele, o poeta cria um drama épico e mitológico nas selvas amazônicas, incorporando à estrutura do verso livre elementos do folclore e da fala regional. Em 1932, o autor publica “Urucungo” e ele volta-se para a cultura africana e sua influência na formação histórica do Brasil, traçando uma viagem das aldeias às margens do rio Congo à realidade das favelas brasileiras. Entre 1942 e 1973, como jornalista e diplomata, Bopp vive em Los Angeles (EE.UU.), Berna, (Suíça), Lima (Peru), no Rio de Janeiro, em Brasília e em Porto Alegre.
Também publica, entre outros, os livros em prosa “América, Notas de um Caderno sobre o Itamaraty”, “Movimentos Modernistas no Brasil: de 1922 a 1928”, “Memórias de um Embaixador”, “Bopp Passado a Limpo por Ele Mesmo”, “Vida e Morte da Antropofagia” e “Longitudes”. Sua obra poética inclui “Poesias”, de 1947, e “Mironga e Outros Poemas”, de 1978. Depois da primeira publicação, “Cobra Norato” tem novas edições em vida do autor que, a cada uma delas, faz alterações no texto original; sintetizando, o autor termina fundindo imagens originais com o ritmo tenso, sintético, sincopado, quase telegráfico.
O herói da história deseja casar-se com a filha da Rainha Luzia e, para isso, mata a Cobra Norato e veste sua pele para percorrer melhor os caminhos amazônicos, cuja fauna e flora são descritas. Norato consegue vencer os obstáculos da floresta e, no final, rouba a sua amada da Cobra Grande. Dedicamos alguns versos do autor a nossa aprendizagem; o primeiro é “Monjolo”: “Chorado do Bate-Pilão. / Fazenda velha. Noite e dia. / Bate-Pilão. / Negro passa a vida ouvindo / Bate-Pilão / Relógio triste o da fazenda. / Bate-Pilão / Negro deita. Negro acorda. / Bate-Pilão / Queba-se a tarde / Ave-Maria. / Bate-Pilão / Chega a noite. Toda a noite. / Bate-Pilão / Quando há velório de negro / Bate-Pilão / Negro levado pra cova / Bate-Pilão.”
Neste poema, destacamos a linguagem corriqueira e usual da situação de uma fazenda de engenho; sabemos que o monjolo ou engenho era o centro da vida no Brasil colonial, o local de mando e o símbolo do topo da hierarquia social; na história de nossa produção, inicialmente, a palavra “engenho” designava as instalações onde se manipulava a cana-de-açúcar, mas com o tempo, o termo passou a abranger toda a propriedade açucareira, com suas terras, edificações e lavoura.
Segundo poema, “Tapuia”: “As florestas ergueram braços peludos para esconder-te / A tua carne triste se desabotoa nos seios / recém-chegados do fundo das selvas. / Pararam no teu olhar as noites do Amazonas / mornas e imensas / E no teu corpo longo / ficou dormindo a sombra das cinco estrelas do Cruzeiro. / O mato acorda no teu sangue / sonhos de tribos desaparecidas / – filha de raças anônimas / que se misturam em grandes adultérios! / E erras sem rumo assim pelas beiras do rio / que os teus antepassados te deixaram de herança / O vento desarruma os teus cabelos soltos / e modela o vestido na intimidade do teu corpo exato. / À noite o rio te chama. / Chamam-te vozes do fundo do mato. / Então entregas à água / demoradamente / como uma flor selvagem / ante a curiosidade das estrelas.” Este texto descreve o mato indígena envolto em elementos diversos de genética, botânica e anatomia. Finalmente, nosso terceiro poema é dedicado a um trecho de “Cobra Norato”: Um dia / ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim. / Vou andando, caminhando, caminhando; / me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes. / Depois / faço puçanga de flor de tajá de lagoa / e mando chamar a Cobra Norato. / – Quero contar-te uma história: / Vamos passear naquelas ilhas decotadas? / Faz de conta que há luar. / A noite chega mansinho. / Estrelas conversam em voz baixa. / O mato já se vestiu. / Brinco então de amarrar uma fita no pescoço / e estrangulo a cobra. / Agora, sim, / me enfio nessa pele de seda elástica / e saio a correr mundo: / / Vou visitar a rainha Luzia. / Quero me casar com sua filha. / – Então você tem que apagar os olhos primeiro. / O sono desceu devagar pelas pálpebras pesadas. / Um chão de lama rouba a força dos meus passos.”
O peso da lama deste chão é o que qualquer um de nós carrega em sua vida, mas umas pálpebras pesadas podem nos ajudam a sonhar e nos autorizam a recuperar, talvez, “a força” de meus “passos”; por outro lado, essa “pele de seda elástica” nos protege a sair e a correr o mundo!