Sophia de Mello Breyner Andresen nasce em 1919 no Porto, noroeste de Portugal, lá, ela tem muito contacto com o oceano e desenvolve verdadeira paixão pelo mar. Entre 1939-1940 estuda Filologia Clássica na Universidade de Lisboa, onde começa a publicar seus poemas e seus textos a partir de 1940, nos Cadernos de Poesia.
Em 1944 sai, em edição de autor, o seu primeiro livro de poemas intitulado “Poesia”, título inaugural de uma obra incontornável que a torna uma das maiores vozes da poesia do século XX. Seus livros estão traduzidos em várias línguas e foi muitas vezes premiada, tendo recebido, entre outros – e pela primeira vez uma mulher – o Prêmio Camões 1999, o Prêmio Poesia Max Jacob 2001 e o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana 2003, inédito para alguém de cidadania portuguesa a receber este prestigiado galardão.
Sua linguagem poética é muito atrativa porque ela é translúcida, quem a lê deixa-se cativar de imediato e passa ao compartilhamento de antigos mitos clássicos, de coises e seres que navegam em todos os tempos, os mares e os dias. Sophia casa-se com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares, em 1946, passam a viver em Lisboa, e ela começa a escrever contos infantis para seus cinco filhos.
Em termos cívicos, a escritora caracteriza-se por uma atitude interventiva, denuncia o regime salazarista, apoia a candidatura do novo governo e faz parte dos movimentos católicos contra a guerra colonial; também apoia a independência de Timor-Leste, conseguida em 2002.
A poeta falece em Lisboa, em 2004, e dez anos depois, em 2014, foram-lhe concedidas honras de Estado e seus restos mortais são trasladados para o Panteão Nacional. No dia em que se celebra o centenário de seu nascimento, em 6 de novembro de 2019, atribui-lhe a título póstumo o mais alto grau do Grande-Colar da Ordem Militar de Santiago da Espada, como distinção ao mérito literário, científico e artístico.
Sophia Breyner tem uma vasta obra, na qual contam mais de vinte antologias, poemas não incluídos na obra poética, contos, contos infantis, ensaios, traduções feitas por ela, também seus poemas traduzidos em vários idiomas, dezessete prêmios recebidos, três condecorações e quatro homenagens através de monumentos.
Em nosso texto de hoje, destacamos o livro “Coral”, editado pela primeira vez em 1950.
Inicialmente, selecionamos alguns elementos constantes de sua poesia em trechos diversos; já em sua apresentação, a autora nos fala de “… mar, o jardim, as mãos, a noite, a luz, … ”, e nos alerta para o seguinte: “Apesar das ruínas e da morte, / Onde sempre acabou cada ilusão, / A força dos meus sonhos é tão forte, / Que de tudo renasce a exaltação / E nunca as minhas mãos ficam vazias.” – o que ressalta a clara consciência ética e social da poeta que alerta para as tragédias provocadas pelo homem moderno.
A seguir, passamos para segmentos mais específicos do poema (a rigor, “Coral e outros poemas” é uma antologia de poesias agrupadas em “Coral”): “Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim, / A tua beleza aumenta quando estamos sós / E tão fundo intimamente a tua voz / Segue o mais secreto bailar do meu sonho, / Que momentos há em que eu suponho / Seres um milagre criado só para mim”.
Agora, vamos nos dedicar a três poemas de Sophia; o primeiro: “Mar” / “De todos os cantos do mundo / Amo com um amor mais forte e mais profundo / Aquela praia extasiada e nua, / Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. // Cheiro a terra as árvores e o vento / Que a Primavera enche de perfumes / Mas neles só quero e só procuro / A selvagem exalação das ondas / Subindo para os astros como um grito puro.” [A simbiose entre a natureza, o mar, e o ser humano, já tendo este priorizado a elevação das águas cujas vagas nos remetem à absorção além da racionalidade.] Segundo poema: “O jardim e a noite” / “Atravessei o jardim solitário e sem lua, /Correndo ao vento pelos caminhos fora, / Para tentar como outrora / Unir a minha alma à tua, / Ó grande noite solitária e sonhadora. // Entre os canteiros cercados de buxo / Sorri à sombra tremendo de medo. / De joelhos na terra abri o repuxo, / E os meus gestos foram gestos de bruxedo. / Foram os gestos dessa encantação, / Que devia acordar do seu inquieto sono / A terra negra dos canteiros / E os meus sonhos sepultados / Vivos e inteiros.” [Que harmonia entre a vida e o repouso, e entre eles está presente minha ansiedade de volver a meus desejos!] Terceiro texto da autora, “Fundo do mar”: “No fundo do mar há brancos pavores, / Onde as plantas são animais / E os animais são flores. // Mundo silencioso que não atinge / A agitação das ondas. / Abrem-se rindo conchas redondas, / Baloiça o cavalo-marinho. / Um polvo avança / No desalinho / Dos seus mil braços, / Uma flor dança, / Sem ruído vibram os espaços. / Sobre a areia o tempo poisa / Leve como um lenço./ Mas por mais bela que seja cada coisa / Tem um monstro em si suspenso.” [Não se permite ver aquilo que está no fundo do mar, a realidade comum das pessoas é nada, comparada com o que realmente existe de hediondo em nós.]
Para concluir, a poesia de Sophia Breyner é tão densa e sua temática é de tal forma diversa, que não temos mais o que acrescentar. Deixo aqui um pensamento final da autora – que pode ser útil a quem o queira: “Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar”.