Luísa saiu de casa, uma vez mais, irritada e cansada logo ao princípio da manhã! Mas que dia que se avizinhava! E ia falando com os seus botões …
(Francamente, estes miúdos não ajudam nada! Às nove da manhã, tudo a preguiçar, um porque teve uma noitada com amigos, a outra amuada por ser a menina que tem sempre de fazer tudo…e os gémeos de sete anos que mal acordam ficam logo colados à televisão a ver aqueles execráveis desenhos animados…) ; a empregada a faltar toda a semana (Logo agora, coitada, tinha de ir para a terra cuidar do pai doente!) e o marido decidira ir com amigos comprar vinhos a uma adega no norte e só voltava no dia seguinte… (Ora bolas! Que ideia a deles! Não podia ser noutro dia…? Ele queria era escapar -se da chegada dos peregrinos, claramente!) e os peregrinos da JMJ a chegarem nessa noite…
E para cúmulo, como se não bastasse, os pais de Luísa tinham pedido para os acompanhar à consulta de oftalmologia no hospital, nessa manhã, sem saberem sequer se haveria consulta e a que horas por causa das greves …
Luísa fechou a porta e pôs – se a caminho, não sem antes ter deixado recados escritos: ‘Meninos, toca a trabalhar! Fazer as camas, arrumar a sala e os vossos quartos, não quero pipocas, papéis de chocolates, canecas de leite no chão, nem roupa suja espalhada pela casa, é preciso limpar a vossa casa- de -banho e pôr a máquina da roupa a lavar jeans …só roupa escura e temperatura 30 graus… quando eu voltar já trago pizzas para o almoço, por favor ponham a mesa e a seguir preciso de ajudas para irmos ao supermercado, pois chegam esta noite os nossos peregrinos! Vamos lá, um pouquinho de colaboração de todos! Não custa nada, se todos ajudarem! Vêm aí três peregrinos…Alguma dúvida, telefonem! Estou com os avós na consulta, Beijs !’
Pelo caminho, recebeu três telefonemas- a mãe a dizer que precisava urgentemente de fraldas, se ela pudesse passar pelo supermercado e trazer… depois, mal tinha desligado, telefonou o pai, a dizer que o elevador tinha avariado e não sabia se conseguiria descer as escadas com as canadianas e com a mãe, pois podiam cair os dois, ‘ … Filha, tem paciência, arruma o carro e vem cá acima ajudar- nos, sim?’e por fim, telefonema urgente da paróquia, a pedirem se poderia acolher quatro, em vez de três peregrinos, e se lhes podia dar de jantar… vinham da Coreia do Sul, e além disso, era preciso ir buscar os quatro ao aeroporto ao fim da tarde…
(Como recusar? Bem, tudo se arranjaria, e um poderia ficar a dormir no sofá da sala…)
Estava Luísa a desligar o telemóvel, quando de repente, sem que ela desse conta, lhe aparece mesmo ao lado do carro, um polícia de moto, com cara de poucos amigos… a fazer sinal para encostar à berma
(Caramba! Era só o que me faltava… valha -me Deus!).
Bem, ao fim de uns quinze minutos de conversa tensa, porque afinal eram duas infrações graves, DUAS!!!, ‘a Senhora ia a falar ao telemóvel , que eu bem vi…e passou com sinal vermelho…não tem consciência de que além da multa forte lhe posso tirar a carta, pois não???’
Luísa desatou a chorar, e a tremer, mostrando os documentos ao polícia, contou- lhe que ia cheia de pressa, estava ao telefone com os pais que tinham o elevador avariado, e tinha de os levar ao hospital, que eles a esperavam num 4 o andar e que tinha quatro filhos sozinhos em casa e mais… e tinham- lhe telefonado agora mesmo a dizer que ainda tinha de ir ao aeroporto para receber quatro sul -coreanos em casa, jovens que vinham para as Jornadas, etc etc … ‘por amor de Deus, sr Guarda, tenha dó de mim, que o meu dia já está tão atrapalhado…’.
E o Guarda teve dó, fez- lhe várias recomendações e mandou- a embora. Luísa só tinha vontade de beijar o polícia… para lhe agradecer… mas limitou- se a estender – lhe a mão, agradecendo efusivamente…’o senhor Guarda merecia uma medalha… muito obrigada, muito obrigada…’. O polícia sorriu e lá a mandou em paz.
Depois de várias outras peripécias para trazer os pais pela escada abaixo sem recurso ao elevador, mas com ajuda de dois vizinhos com força de homem e uma cadeira trazida de patamar em patamar desde o 4 o andar até ao rés – do -chão, lá chegaram, os pais e a filha, ao hospital… e ao fim de uma espera de duas horas, foram finalmente atendidos. Pelo meio, Luísa aproveitou e foi ao supermercado ao lado, fazer as compras necessárias de comida para os peregrinos e mais as fraldas para a mãe.
Entretanto, já à saída do hospital, toca o telemóvel… e era o filho mais velho:’ Mãe, venha depressa para casa… temos um problema! O esquentador avariou… não há água quente…’
Luísa não queria acreditar!
‘ …O quê????Mas que grande sarilho! Olha, vai à agenda do pai e procura em canalizadores… chama o primeiro, se não puder, chama o segundo… diz que é muito urgente e eu vou só deixar os avós em casa e já sigo para aí…’
Entretanto, Luísa só dizia , ‘Deus queira que ao menos, o elevador dos pais já tenha sido reparado’ …e felizmente tinha sido, e ainda com a ajuda dos dois técnicos de reparação dos elevadores – gente simpática e prestável – lá conseguiu meter os pais e as respetivas canadianas no elevador e deixá-los finalmente, em casa. Beijinhos e abraços, e adeus, adeus!
À porta de casa, ao arrumar o carro, lembrou -se do prometido almoço. Já passava das três da tarde e ninguém comera nada… deviam estar todos esganados e furiosos !!!
Ainda telefonou a encomendar as pizzas e em seguida entrou no prédio e abriu a caixa do correio. Para sua aflição, havia uma carta das Finanças para o marido (abro? não abro? Já estou a ver que hoje só podem ser más notícias …não vou abrir, vou telefonar ao Óscar!).
Luísa sentia os nervos à flor da pele! Entrou em casa, carregada de sacos de supermercado, esperando o caos habitual… mas que acontecera? Mal podia acreditar…Parecia mesmo que uma fada boa tinha aparecido e por artes mágicas e com varinha de condão dera volta a tudo… a casa estava um brinco, tudo limpo, bem cheiroso e arrumado, como ela nunca tinha visto… a mesa bem posta com toalha branca de festa, pratos, talheres e copos, tudo impecável para receber os peregrinos. Os filhos olhavam- na radiantes, com um sorriso de orelha a orelha!
‘Grande surpresa, não é, mãe?’
Luísa atirou -se para o sofá, estafada, e a chorar, beijou e abraçou os filhos e agradeceu- lhes o excelente trabalho…
‘Que queridos que vocês são! ! ! Grandes miúdos, ricos filhos do meu coração!
Bem, as pizzas estão a chegar, comemos na varanda para não sujar nada… e vou só telefonar ao pai… ‘ mas o filho mais velho interrompeu- a dizendo:
‘ Mãe, não telefone, porque eu liguei-lhe a contar o que se estava a passar e o pai volta esta tarde; os canalizadores não podiam vir hoje, nem amanhã …por isso o pai vem aí para ajudar e vai buscar os peregrinos ao aeroporto… não se preocupe! Descanse um bocadinho e relaxe! ‘
Os gémeos abraçados à mãe, começaram a cantarolar a canção favorita da família ‘Don’t worry, be happy! ‘
E a filha, com ar divertido, comentou:
‘- Mãe, olhe que uns banhitos de água fria não fazem mal a ninguém…Tudo se vai resolver…’
Luísa sorriu, impressionada com as palavras dos filhos e no fundo, no fundo, muito arrependida da sua irritação contra tudo e contra todos nessa manhã … afinal que bons que eles eram! Até o Oscar ia voltar mais cedo e deixara os amigos e os vinhos …
Mal acabaram o almoço, Luísa começou a cozinhar uns vegetais para o jantar dos sul-coreanos. Entretanto, Óscar telefonou do aeroporto para avisar que já trazia os peregrinos e estava a caminho de casa. Enfim, um pouco mais cedo do que esperavam, mas tudo iria resolver- se. Só a água quente é que não parecia ter solução! … reinava grande expectativa, os miúdos não paravam de falar e tentavam adivinhar como seriam os peregrinos que lhes tinham sido atribuídos.
Seriam jovens? Estudantes? Trabalhadores? Seminaristas?
Por fim, pelas sete da tarde, ouviram o pai meter a chave à porta e todos correram a receber os visitantes e o pai!
Cumprimentos para cá, vénias para lá, sorrisos tímidos, jovens franzinos, mochilas e malas com algum peso, e de repente um embaraçoso silêncio…os peregrinos sentados nos sofás, lá lhes disseram que sim, um jantar, ou um chá era tudo muito bem-vindo, tinham alguma fome, mas o que mais precisavam era mesmo de um banho…se possível!
Um tanto atrapalhada, num inglês um pouco esquecido, Luísa explicou- lhes então, que havia um pequeno problema, mostrando – lhes o esquentador apagado…
Eis senão, quando o quarto peregrino, com um grande sorriso, avança e diz’ No problem! I’ m a plumber! Give me some tools!’
Ficaram todos estupefactos! Então aquele último sul- coreano, que ninguém esperava, e que lhes tinha caído dos céus aos trambolhões, era afinal canalizador e só precisava das ferramentas deles para lhes resolver o problema??? Gargalhada geral…
De repente, o frio do primeiro contacto estava quebrado e a casa encheu- se de alegria!
Entretanto, na cozinha, rodeado dos miúdos, o sul- coreano sem grande dificuldade arranjava o esquentador.
Óscar sorriu ao ver o entusiasmo de todos e foi até ao quarto, e poucos minutos depois, chamou Luísa. Com a carta das Finanças na mão, perguntou- lhe:
‘Querida, sabes do que se trata? Prepara- te para mais uma boa notícia… eles enganaram- se na cobrança do imposto e vão devolver- nos o IRS todo que pagámos a mais!’
Luísa, incrédula, abraçou Óscar e disse- lhe apenas:’ por favor, meu querido, vai para a sala e fala com eles… são emoções e Graças a mais num só dia! Bendito seja Deus! Tenho de me deitar e descansar, nem que sejam só cinco minutos…’