As Jornadas Mundiais da Juventude tiveram complexos desafios logísticos, o mais complicado dos quais foi a distribuição da Eucaristia, sobretudo no Domingo, na grande Missa com o Papa.
Na sexta-feira, na espaçosa igreja do Seminário dos Olivais, em milhares de píxides, consagraram-se cerca de um milhão de Hóstias. Na manhã de sábado, um cortejo levou a Eucaristia até ao terreiro da Missa, sempre com escolta policial. Tudo ficou instalado muito antes de o recinto abrir aos peregrinos, em centenas de Tendas da Eucaristia, distribuídas no terreno onde ia ser a Missa, cada uma com os respectivos RTEs. Não me lembro de uma organização tão complicada, com tantas siglas e tantas funções. RTEs eram os «Responsáveis de uma Tenda Eucarística», pequenas equipas que ficavam todo o tempo nessa tenda adorando Nosso Senhor.
As tendas eram de cor branca, com franjas sóbrias na parte superior e uma espécie de telhado em bico. Ocupavam um quadrado de uns 20 m2 de área. Um estrado elevado um palmo acima do terreno fazia de chão. O único mobiliário era a mesa sobre a qual se colocavam as píxides e uma cadeira para os RTEs descansarem à vez. Sobre a mesa, uma toalha de altar e um pano quadrado —chamado corporal— para que as píxides com as Hóstias não ficassem directamente sobre a toalha. Duas lamparinas ardiam permanentemente, não para iluminarem —porque as paredes deixavam passar uma luz difusa, tanto de dia como de noite—, mas para louvar Nosso Senhor presente nas Hóstias consagradas. Havia também flores. E mais nada.
O plano inicial previa que apenas os RTEs estivessem, dia e noite, dentro das tendas, mas a realidade impôs-se mal os peregrinos começaram a chegar. Uma equipa de RTEs conta a experiência:
— Primeiro, apareceu um padre inglês, a desfalecer, pelo calor, pelo cansaço e pela sede; oferecemos-lhe uns sumos e não tivemos coragem de o deixar a rezar fora, apesar do calor que fazia lá dentro. A seguir, chegou um grupo de polacos. Aperceberam-se de que guardávamos a Eucaristia e pediram que abríssemos um pouco a cortina de entrada. Ajoelharam-se no chão, à volta, a rezar através da abertura. Passado algum tempo, deixámos que os polacos entrassem dois a dois e, mais tarde, em grupos de quatro. Como o terreno à volta da tenda estava coberto de pedras pequenas, desconfortáveis, conseguiram-se umas esteiras para os que rezavam de joelhos. A seguir, já não eram só os polacos, também uma vintena de freiras colombianas, e depois outros, cada vez mais gente se acumulava à volta da tenda e era preciso abrir mais a cortina. Uns sabiam inglês, ou espanhol, ou português, outras vezes, entendíamo-nos por gestos. Muitos rezavam em silêncio, mas alguns grupos entoaram um canto eucarístico. Nem sempre percebíamos a letra, mas isso não era problema para Jesus, que é muito fluente em todas as línguas.
Entretanto, nas outras tendas acontecia o mesmo. Trocávamos mensagens e concluíamos que era impossível manter as tendas completamente fechadas, por causa da gente que se acumulava à volta. Foi assim durante o dia e continuou noite fora. Alguns peregrinos passaram a noite adorando Nosso Senhor através da abertura das cortinas, ou entrando durante um bocadinho.
Há histórias bonitas. Desde os que pensaram nos pormenores e inventaram infinitas siglas, até aos que engomaram as toalhas, prepararam as tendas, transportaram as píxides, etc., cumprindo a função da respectiva sigla.
Contaram-me também um episódio singular. Um norte-americano, chocado, entrou numa Tenda da Eucaristia sem perguntar, filmando com o telemóvel e protestando pela falta de respeito para com a Eucaristia. Um dos RTEs presentes concluía este relato dizendo «peço também por aquele peregrino que ficou chocado, para que Deus o ilumine». Talvez aquele homem achasse que a Igreja actual não respeita a Eucaristia e quisesse confirmar isso para convencer outros. Em qualquer caso, antes de ele partilhar o seu escândalo nas redes sociais, já Nosso Senhor ouvia as orações de quem rezava por ele.
A actividade das Tendas da Eucaristia durou 48 horas, até ao dia da Missa com o Papa, e continuou até se recolherem com devoção todos os purificadores (panos usados para evitar que alguma partícula de Hóstia se perca depois de distribuir a Comunhão) e as Hóstias sobrantes serem levadas, sempre com escolta policial, para uma capela próxima, a caminho de outras igrejas. Todas as Hóstias foram contadas, e todas as píxides e todas as caixas com píxides, antes e depois, para que nada se perdesse.
Ao fim de tantas horas sem dormir, os RTEs mal se aguentavam em pé, mas estavam felizes. Penso que Nosso Senhor ainda estava mais feliz que os RTEs. Afinal, não foram eles que O acompanharam naquelas horas, foi Jesus quem os acompanhou.
3 horas da manhã: a multidão dormia como podia. Nas Tendas da Eucaristia os rapazes e raparigas punham em dia a sua conversa com Nosso Senhor.
Uns sortudos: deixaram-nos ficar mais um bocado perto da Eucaristia.
Nas tendas duplas, os jovens aproveitaram para se confessarem.