Foto da Rua Coronel Antônio Ignácio no início do século passado
É o vinho coisa santa
Que nasce de cepa torta
A uns faz perder o tino
E a outros errar a porta
Por aí seguindo, de pesquisa em pesquisa nos antigos fólios do Jornal O Progresso, vou descobrindo as coisas do cotidiano de mui antigamente, quando nem sonhávamos nascer. Fevereiro de 1920, no artigo Coletânea, encontrei curiosidades interessantes de reproduzir, com alguns enfeites verbais.
O Dorico não morava; escondia-se lá prá cima do prolongamento da Ramiro, bem depois dos trilhos. Tinha uma boa vizinhança(?); vez por outra faziam uma festa, com as coisas que cada um levava. O que não podia faltar era cachaça e vinho. Certa feita resolveram fazer uma patuscada de dois dias; o Antão, antigo ascendente do Cabeleira, ficou encarregado do vinho; a mulherada da salada e o Dorico das galinhas, já que expert em adentrar furtivamente em galinheiros.
Na quinta tomou rumo ao centro e começou a examinar as casas e os galinheiros. O seu João Ramos, proprietário de uma boa casa e grande terreno, na rua Cel. Antônio Ignácio, aprecatava-se para sair de casa com a família; o Dorico a tudo observou, já que passava pelas redondezas. Resolveu aguardar escondido, até a saída da família Ramos.
Eles sairam a pé; pelo jeito a festa não era muito longe – pelas vizinhanças. E lá se foi o Dorico, direto ao galinheiro; as penosas já dormiam no poleiro. Com toda a presteza, apanhou um galo e duas galinhas, colocou no saco de aniagem e ganhou rumo aos Pinheiros. Foi pelos arrabaldes, com poucas casas.
A Marieta botou os bichos numa encerra e deu milho quebrado. Sábado, pela manhã, matou o galo; as galinhas ficaram para a festa da noite e domingo meio-dia. Duas garrafas de cachaça e um garrafão de vinho; ela não sabia como o Antão tinha conseguido – certo que logrou alguém. Salada de agrião que nascia junto à sanga e rabanete da roça de alguém.
A cachaça começou a correr cedo, enquanto as mulheres faziam a galinhada (galo velho tem que ir cedo para a panela de ferro). Já corria a tarde quando começaram a servir, tudo regado ao vinho. O Dorico e o Antão já andavam mais prá lá do que prá cá, mas comeram bem. Até cantoria deu.
Já andavam querendo matar uma das galinhas para continuar a festa, quando o Delegado Reis Flores e integrantes da guarda municipal chegaram ao local. Imediatamente prenderam o Dorico; ele tinha fama de “ladrão de galinhas e alguém avisou da tal de festa. As autoridades não tiveram muito trabalho para confirmar.
O Dorico foi recolhido correcionalmente ao xadrez, que ficava na rua Dr. Flores nº 43 (junto à Guarda Municipal). As duas galinhas foram devolvidas; o prejuízo foi o galo e não tinha como cobrar. A prisão correcional era para delitos de menor gravidade, especialmente as contravenções, aplicada pelo Delegado de Polícia (deixava no xadrez da correção por alguns dias e depois soltava – no presídio defronte da Prefeitura, este confinamento ficava num espaço debaixo da escada, sem janelas).
Importante dizer que o Comandante da Guarda Municipal, na época o senhor Appelles Ribeiro, também desempenhava as funções de Subintendente do 1º Distrito. O Delegado de Polícia era homem de confiança do Presidente do Estado RS, Dr. Borges de Medeiros, a quem sempre representava em solenidades.
Para finalizar a presente coluna, trago à consideração dos leitores a eleição municipal ocorrida em 9 de julho de 1920, para Intendente e Conselheiros Municipais. Os votos eram contados pelo Conselho em final de mandato. Por dois dias os votos foram contados e conferidos, sendo eleito o cidadão Affonso Aurélio Porto como Intendente. Observem que os votos eram contados pelo legislativo.