Não tem sido tarefa fácil encontrar bons filmes. A receita mais utilizada parece ser a que conjuga violência com lances inverossímeis, que transformam boas intenções em marmeladas, como se costumava dizer quando o resultado de uma disputa era claramente algo arranjado. Uma lata de espinafre multiplica a força de um Popeye, o que é aceitável num desenho animado. Como é razoável que uma substância imaginária, como criptonita, enfraqueça um herói num filme fantasioso além da conta, mas que em momento algum se pretende sério.
Como a infância e a adolescência já vão longe, argumentos com espinafre, criptonita, terror ou similares já me põem em retirada. Me sinto recompensado quando ao fim de um filme sinto que aprendi algo, que degustei situações poéticas, que a televisão, a “ladra do tempo”, não derreteu minhas horas.
Tentei inventariar alguns filmes que ainda hoje admiro, daqueles que recomendamos com satisfação e podemos reassistir. Jesus de Nazaré, de Franco Zefirelli, é uma pérola, capaz de transmitir a essência do cristianismo em pouco mais de seis horas. O coloco na prateleira dos hors concours.
Combinando poesia e o humor de uma gente que vive num vilarejo italiano, com a trilha sonora talvez insuperável de Ennio Morricone, Cinema Paradiso é provavelmente o mais belo filme romântico que assisti. A pobreza na infância, a adolescência e o amor frustrado, que marcou como ferro em brasa a vida de um rapaz que se tornaria um cineasta bem sucedido. Um filme para ver e rever.
Há dois filmes sobre a guerra do Vietnã dos quais gosto de recordar. O primeiro deles, “Deer Hunter”, ou “O franco atirador”, vi em duas etapas. Estávamos meu pai e eu em Florianópolis, a poucas horas de tomar o ônibus que nos traria de volta a Porto Alegre. Decidimos aproveitar o lapso e fomos ao cinema. Sem saber que a película tinha em torno de três horas de duração. Para não perdermos o ônibus, tivemos de deixar a exibição precocemente, lastimando. Semanas depois assistiria na íntegra. Não bastasse história e roteiro excelentes, Robert de Niro desponta com excepcional talento, que recentemente dissipa em produções baratas e bestas.
Outra preciosidade sobre o conflito asiático é Platoon, reforçando a barbárie das guerras, que apagam vidas como se fossem paus de fósforo. O protagonista incorpora algumas lembranças do diretor, Oliver Stone, que esteve, ele mesmo, naquele inferno. Com música tocante, perpassa situações de dor e perplexidade, de morte e drogadição, mas apresenta um componente novo: o comandante cruel no front.
John Craig Venter, reconhecido como um dos maiores cientistas do século XX por seu trabalho relacionado ao sequenciamento do DNA, também participou no conflito no Vietnã, servindo em hospital de campanha, em Da Nang. Em seu livro “Uma vida decodificada” descreve algumas situações surpreendentes, como os recessos concedidos aos soldados em meio à guerra, os casos de ferimentos e mortes por “fogo amigo” e a intimidade com drogas:
“Aprendi mais do que qualquer jovem de 21 anos deveria aprender sobre triagem, sobre diferenciar aqueles que podem ser salvos daqueles por quem não há nada a fazer a não ser aliviar a dor enquanto morrem. Eu não estava estudando na universidade da vida, mas na universidade da morte, e a morte é uma professora eficiente.”
Relata que numa noite – à época da Ofensiva de Tet, janeiro de 1968,- estava com amigos, deitados de barriga pra cima, “alegres depois de passar a noite fumando maconha, quando as bombas começaram a explodir” perto deles. Ao invés de buscarem um bunker, ficaram ali mesmo, “mesmerizados pelo psicodélico show de luzes que parecia uma cena do filme Apocalypse Now”.
Craig protestou durante uma visita do vice-presidente Humpfhrey e do general Westmoreland à sua unidade. Disse ao militar “Estamos cometendo um erro terrível lutando no Vietnã”. Menciona que havia inúmeras deserções e a existência de homens que se recusavam a lutar, principalmente no final da guerra.
Denuncia um tipo de “protesto insidioso e letal”: a bomba de fragmentação, uma “modalidade de assassinato praticada por soldados americanos contra os próprios colegas ou outros que punham em risco a unidade por imprudência ou incompetência. A prática consistia em lançar uma granada, ou qualquer outro explosivo, na direção da pessoa perigosa e atribuir a morte ao inimigo”. Vai além: “Apesar da camaradagem mística dos Fuzileiros Navais, o que significava que nunca abandonavam os mortos, alguns usavam um único tiro para executar o segundo tenente lunático que estava interessado apenas em contar os corpos e em promoções, sem nem querer saber se estava atirando em um aldeão ou vietcongue. Muitas vezes, a prática consistia no uso de vários tipos de minas terrestres para eliminar um comandante que, na visão dos soldados, faria com que todos morressem por motivo algum”.
Quando chegou a sua vez de dizer adeus àquela geena, partiu num vôo fretado, superlotado, sem qualquer blindagem. As decolagens e aterrisagens eram noturnas. A noite, iluminada pelas armas: “Prendi a respiração; podia-se sentir uma onda de alívio invadir o avião quando saímos da zona de alvo. Por fim, veio a atmosfera de comemoração: sabíamos com certeza que havíamos sobrevivido à nossa estada no Vietnã (…) A vida foi meu presente. Tinha visto milhares de homens de minha idade morrendo ou ficando mutilados de formas inimagináveis”.
Quantas vidas ceifadas! Craig sobreviveu, mas quantos futuros cientistas, poetas, escritores, médicos, engenheiros, pais de família que nunca o foram?
Ho Chi Mihn dissera aos franceses: “Podem matar dez dos meus homens por cada um que mato dos vossos; contudo, mesmo com esta disparidade, vocês perderão e eu ganharei”. Os que não gostam de história de alguma forma a repetem. Craig confirma o que Platoon sugerira. Há quem acredite que seu posicionamento e suas denúncias o tenham privado do Nobel.
Há outros filmes admiráveis, como Dersu Uzala, Gandhi e Tempos Modernos, sem excluir O Poderoso Chefão, mas os excepcionais não enchem quatro mãos.
Quando os temas vão contra a corrente, as produções precisam avançar com escassos recursos, como é o caso do cristão “Sound of freedom”. Li um comentário em revista norte-americana taxando como medíocre o filme de Alejandro Gómez Montenverde, estrelado por Jim Caviezel. Lacrado depois de “A Paixão de Cristo”, dirigido por Mel Gibson, igualmente exilado dos holofotes.
“Sound of freedom” foi ainda mais criticado por ter tido, apesar da poderosa corrente contrária, ótima bilheteria com orçamento reduzido. Suspeito que estes críticos devem preferir e aplaudir preciosidades como Barbie …
Como nem só de grandes filmes vive nosso entretenimento, havemos de nos divertir com produções mais modestas. Com uma condição: não devemos nos furtar ao não quando estiver em campo algo que nos faça mal espiritualmente. Neste tempo de extenso e profundo apodrecimento moral, neste mar de injustiça, precisamos nos aferrar no que há de melhor, de seguro, de justo, de certo. Se temos de navegar no oceano cotidiano de más influências, que mantenhamos os olhos no farol do cristianismo.
Nesta linha, recomendo Nefarious. Um filme baratíssimo, rodado em poucas locações. Um psiquiatra, que se declara ateu, deve decidir se um condenado à morte, tomado por um demônio, é mentalmente responsável. Se declarar que o preso não o é, a execução será cancelada. Os diretores, Cary Solomon e Chuck Konzelman, ambos católicos, a partir de diálogos muito interessantes, assestam as baterias na eutanásia, no aborto e na pena de morte.
Por pior que o mundo pareça, é sempre consolador perceber que os bons não enfiaram suas cabeças no chão.