Todo sentimento precisa de um passado para existir
O amor não, ele cria como por encanto um passado que nos cerca
Ele nos dá a consciência de havermos vivido anos a fio
Com alguém que há pouco era quase um estranho
Ele supre a falta de lembranças por uma espécie de mágica (Benjamin Constant).
Se sinto algum aperto ou alegria, sem dúvida, foi por algo que aconteceu no passado, pouco importando se em alguns momentos anteriores ou no tempo de mui antigamente. Quando leio antigos jornais, transporto-me a um tempo, coadunando-o com a data da própria publicação. Pois era 1951, jornal de 10/02/1951, com reportagem sobre o carnaval e chegada do Rei Momo.
A Rádio Montenegro, ZYY8, promoveu eleição da Rainha do Carnaval. Várias concorrentes, entre elas Marisa Moraes, Edy Rosenthal, Fúlvia Becker e Leny Leindecker, que obteve o maior número de votos, sendo eleita. Já na semana anterior ao dia do carnaval (06.02.1951), aconteceu a chegada do Rei Momo, vindo diretamente da Momolândia. Desembargou no Cais do Porto, onde foi recepcionado pelos Blocos “No meu colchão você não dorme mais”, “Caiçara”, ”Zig-Zag”, “Só prá nós” (7 de Setembro) e “Garotas” (Chimarrão).
Momo abriu oficialmente o carnaval em Montenegro, acontecendo a entronização da Rainha. Em cortejo foram ao Clube Chimarrão e depois ao 7 de Setembro, onde Marisa Moraes foi eleita Rainha do Clube … A festa continuou pelos clubes e ruas da cidade. A primeira edição de O Progresso do ano de 1951, registrou o primeiro aniversário de funcionamento da Biblioteca Pública Municipal, inaugurada em 25 de dezembro de 1949. Havia convite para os montenegrinos visitarem a biblioteca.
Naquele tempo, para variar o assunto, um trabalhador ganhava o seu salário mensalmente; às vezes um adiantamento quinzenal, sempre em dinheiro, que era acondicionado em um envelope. Evidente que muitos, ausente a informalidade contábil, simplesmente assinavam um vale (parcelado) ou a folha de pagamento e recebiam o seu salário em dinheiro vivo – na “boca do caixa”, como diziam antigamente. Com o dinheiro na mão, saiam a fazer os pagamentos.
Tudo era muito bem controlado e honrado: padeiro, leiteiro, armazém (caderno mensal), lojas, onde compravam fiado durante o mês, em prestações mensais. Também o pagamento das contas de água e luz. Mensalmente funcionários da CEEE e da CORSAN cobravam as contas, nas casas ou nos estabelecimentos, mediante recibo. Tudo era anotado em fichas individuais por economia, guardadas em grossos arquivos, que os cobradores traziam consigo. Era “tirada” a leitura, anotada na ficha e efetuada a cobrança – se não pagasse era corte, salvo se o cobrador fosse bonzinho e passasse outro dia.
Depois os pagamentos mensais e corriqueiros, o que sobrava era guardado para o atendimento de emergências e divertimento próprio e da família, especialmente dinheiro para as matinés das crianças aos domingos. Não sobrava nada para guardar em banco e tão pouco precisava. Os furtos e roubos eram poucos e somente os incautos andavam com bastante dinheiro nos bolsos; o dinheiro ficava em casa, debaixo do colchão.
Com o avançar do tempo vieram os supermercados; proibiu-se a venda do leite “in natura”. Em nossa região o monopólio do leite passou a ser do Estado, através do DEAL, que funcionava junto a beira-rio. O leite só podia ser vendido depois de pasteurizado; assim surgiu a VAQUINHA. Grande tanque foi montado em uma camionete e nele o leite pasteurizado era acondicionado para ser vendido à população. A camioneta, que recebeu o apelido de vaquinha, percorria as ruas da cidade, parando em pontos pré-determinados, onde os compradores esperavam com suas vasilhas.
“Quem domina o passado, domina o presente” (George Orwell); significa que a história, como a conhecemos, é moldada pela nossa visão política atual. Nós estamos inseridos em um Estado onde a política dita as regras comportamentais, entre outros. Hoje, não precisamos de clubes para dançar, não precisamos pagar mensalidades e o carnaval só acontece se o Poder Público concorrer com algum recurso financeiro.
Certamente, pelos relatos do passado, poder-se-á dizer que foi um belo tempo; é o seu domínio do passado face a realidade presente. Na verdade, a beleza foi só uma fração de tempo, de minha escolha. Os jornais reportam tristezas, feminicídios, pobreza; a estrada de ferro ceifando vidas; brigas políticas/partidárias e o alto custo de vida, para exemplificar, ocupam as páginas dos fólios jornalísticos. MAS EU PERGUNTO: – Por que trazer lembranças nefastas, se elas já povoam nossas vidas.