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“Tarde te amei”

  • Setembro 23, 2023
  • Cultura
  • João Baptista Teixeira

 

Tínhamos entre quatorze e quinze anos quando um professor de História fazia de sua aula um espetáculo de conhecimento e prazer. Estávamos numa escola excelente, mas nem todos os docentes tinham seu brilho. Lembro quão chatas foram as aulas com um professor que privilegiava uma horrível decoreba e com outro, exangue, a falar da Antiguidade. Um porre.

TL, assim o designarei, era um sanguíneo. Não creio que alguém conseguisse dormir em suas aulas. Guerra dos Cem Anos, Lepanto, Waterloo,… Tinha verve e não mantinha jamais o mesmo tom de voz, arrancando vez por outra sonoras gargalhadas. Conquistou minha admiração e por sua influência coloquei pela primeira vez meus pés no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, para assistir uma palestra de J.P.Coelho de Souza.

Quando abordou o século XVI e particularmente o que aconteceu na Inglaterra de Henrique VIII em diante, grifou Ana Bolena, a igreja anglicana e Elizabeth, a rainha “Tudor ou nada”. TL pincelou a época e desancou Maria Stuart, a Rainha da Escócia. A reduziu quase a uma cortesã do presídio em que sua prima, Elizabeth, a trancafiara.

Quis o destino que um dia lesse “Maria Stuart”, de Stefan Zweig, que categoricamente destrói uma narrativa simplória como esta. O tema mereceria um texto à parte. Gostaria, porém, de mencionar alguns fatos de sua vida. Menina, encontrava-se na França para desposar o delfim. Seria, portanto, Rainha da França, mas o filho do rei morreu precocemente e ela retornou à Escócia.

Com medo de perder a coroa inglesa, à qual Maria Stuart fazia jus, a anglicana Elizabeth e sua entourage darão um jeito de incriminar a católica Stuart e tanto farão que ela terá sua cabeça decepada. O verdugo errou o golpe e nem assim Maria Stuart perdeu a dignidade. O carrasco então reencetou a tentativa e encerrou uma página dramática. Por aquelas ironias do destino, James, o filho de Maria Stuart, seria um dia coroado Rei da Inglaterra.

A história anglicana obedeceu o desejo de Henrique VIII de legitimar o divórcio de sua esposa, espanhola, para desposar Ana Bolena, mãe de Elizabeth. Quando quis separar-se de Ana Bolena, a acusou de traição e sua cabeça rolou num gramado, bem pertinho da Torre de Londres e do cárcere onde morreria Thomas More.

A postura de TL diante da figura de Maria Stuart, decorridas décadas, inspirou em mim a crescente convicção de que ele tinha alguma implicância com a Igreja Católica, mercê, quem sabe, de sua formação castrense e iluminista. Esta pulga ficou por décadas em minha orelha.

Há conversões emblemáticas de anglicanos ao catolicismo. Uma delas é de John Henry Newman, intelectual de Oxford, que chegaria ao cardinalato e hoje é santo da Igreja. A outra, menos ruidosa, porém mais argumentativa, foi a de Gilbert Keith Chesterton, escritor, filósofo e crítico de arte. Além de sua extensa obra literária – como “Hereges”, “O que há de errado com o mundo”, “Ortodoxia” e a “Saga do Padre Brown”,- Chesterton resumiu as razões de sua conversão em “Por que sou católico”:

“Nove de dez do que nós chamamos novas ideias são simplesmente velhos erros. A Igreja Católica tem como uma de suas tarefas principais, a de prevenir as pessoas de cometerem esses velhos erros; de cometê-los sem parar e de novo para sempre, como as pessoas sempre fazem se deixadas a si próprias. A verdade sobre a atitude católica com relação à heresia, ou como alguns diriam, com relação à liberdade, pode melhor ser expressa talvez pela metáfora de um mapa. A Igreja Católica carrega uma espécie de mapa da mente que se parece com o mapa de um labirinto, mas que é, de fato, um guia para o labirinto”.

Outra conversão, sobre a qual pouco ou nada se fala, é do abolicionista Joaquim Nabuco. Foi em Londres, passado dos quarenta: “Na escondida igreja dos jesuítas, em Farm Street, onde os vibrantes açoites do padre Gallway me fizeram sentir que a minha anestesia religiosa não era completa, depois no Oratório de Brompton, respirando aquela pura e diáfana atmosfera espiritual impregnada do hálito de Faber e de Newman reunir no meu coração os fragmentos quebrados da cruz e com ela recompor os sentimentos esquecidos da infância”.

Dias atrás, conversando com um colega dos bancos escolares, tive notícias de TL, que encontrara casualmente numa viagem turística. Recebi do colega o resumo que segue: “Andava muito triste, quase deprimido, cheio de dúvidas existenciais. E começou a se aproximar da religião. Um dia, decidiu entrar numa igreja e começou a rezar, pedindo a Deus que lhe desse um sinal, apenas um sinal, de que o estava escutando. Mal terminou de proferir mentalmente a súplica, sentiu um toque no ombro. Era uma menininha pedindo ajuda. Isso para ele foi o sinal. A partir daí, passou a ser profundamente devoto”.

Naquela noite rezei por TL. Com o coração pleno, foi inevitável recordar Santo Agostinho:

“Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio”.

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