De que são feitos os dias?
– De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças (Cecília Meireles).
Quanta beleza num simples verso! Aos menos os meus dias se coadunam com verdade poética da autora; os simples desejos, como os de ler jornais, alimentar, cuidar do asseio e dormir são envoltos pela saudade, trazendo lembranças de um tempo mui distante. Viajar ao passado, deixando fluir mentalmente a fantasia, é parte habitual dos meus dias.
Comecei a escrever a coluna no sábado pela tarde; estava em busca do melhor dia, daquele tempo de antigamente, para relembrar os movimentos do guri, num dia semelhante da semana, numa fração de outrora. Pois, resolvi escolher o próprio sábado; para os ginasianos do São João, um dia a mesclar os estudos e a diversão.
As aulas iniciavam às 8h15min, mas só se podia entrar nas dependências do colégio depois das 8h – horário em que os portões eram abertos. Então, lá por 7 horas e um pouco mais, minha mãe começava a chamar: “acorda guri”, “vai se atrasar” e “a roupa tá na cadeira” (por vezes era em português e por outras em alemão). “Mais um pouco” era a resposta.
Finalmente de pé; tirar o pijama, colocar a cueca samba canção, a calça de brim cáqui do uniforme e a camiseta verde, com os dizeres São João, na parte da frente (bem no início era uma camiseta com o símbolo dos maristas no bolso ao alto, lado esquerdo). Conforme a temperatura, a recomendação de vestir o pulôver azul. Lavar o rosto, escovar os dentes e sentar para tomar café.
O padeiro havia deixado um pão de meio quilo; um canto, com manteiga e salame, merenda para o recreio; café com leite e duas fatias de pão com schmier, nata ou keschmier. Então, seguir para o colégio – por vezes subindo a Osvaldo Aranha e por outras descendo até a Olavo Bilac para olhar os gibis novos expostos na Banquinha do Seu Osvaldo (ele comprava os gibis em bom estado pela metade do preço e revendia com 30% de acréscimo; dava prá trocar dois por um, também).
Na banquinha, por vezes os estudantes encontravam pastéis e sonhos bem novinhos, daquela manhã. Mas, se no dia anterior não houvesse vendido todos, eles eram dormidos; ficavam numa caixinha com vidro e por vezes com algumas moscas voando ao redor. Vendia balas, chocolates e figurinhas no tempo dos álbuns.
De repente o sino batia, chamando os alunos a formar fila; um apito do Irmão Diretor, uma batida forte de sino e silêncio absoluto. Primeiro subiam os da quarta série e assim sucessivamente. Qualquer piada ou comentário, ensejava o castigo de copiar o regulamento ou decorar uma poesia (Meus Oito Anos, poesia do Casimiro de Abreu: Oh! Que saudades que tenho. Da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais) aprendi em um castigo.
O comum, nos demais dias da semana, era rezar três dezenas de terço, pela manhã e duas no período da tarde. Mas aos sábados a reza era mais curta, pois não havia aulas pela tarde. Dois períodos de aula; 9h45min recreio de 15 minutos e depois mais dois períodos de aulas. 11h30min o sino anunciava o fim das aulas naquele dia. A saída era em fila; uns subiam e outros desciam a João Pessoa; outros demandavam ao Café Comercial, em espera das gurias das freiras, logo descendo a lomba. Tempo e lugar de flertar; se desse certo, até podia sentar ao lado, na matinê de domingo.
Almoço e depois preparar o fardamento para os jogos de futebol, no areião à tarde. Naquela época haviam muitos campeonatos: o interséries (com o clássico entre terceira e quarta séries) e o Ideal. O colégio era muito concorrido aos sábados de tarde. Jogar ou torcer eram as alternativas. Podia-se jogar Espiribol e Três Reis, se os maristas emprestassem o material.
Sábado era dia de tomar banho completo; na ausência de chuveiro quente, o negócio era esquentar uma chaleira d’água quente e misturar com a fria, dentro de uma banheira de alumínio. A precatar-se para a noite: cinema, boate, baile prá fora etc… Conforme o programa tinha que vestir fatiota e gravata. Assim recordo e escrevo.