Matar alguém não é o mesmo que alguém morrer. Matar é mal real; morrer é sofrimento, não mal.
As guerras não se entendem nem se explicam. São muitos a tentar explicar, mas não explicam. Impressiona a coincidência de o massacre (cf. guerra na Palestina, Faixa de Gaza) ter sido feito no dia 7 de outubro, mas não desejo comentar. O Evangelho também fala de guerras, calamidades e tribulações. «Quando começarem a suceder estas coisas levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima» (Lc.21, 28).Por ser passagem para a vida eterna? Em vésperas de Todos os Santos e Fiéis Defuntos dá que pensar.
Alguns comentadores falam muito, contudo, perante ódios e raivas de matar pessoas de todas as idades, mostram o matar, mas não o sentido do morrer. Há dias impressionou-me uma notícia a tentar dizer que esta era a guerra de Deus. Não entendi, mas fiquei a pensar. Muitos tentam dizer que há culpados ora de um ora do outro lado. As palavras do Secretário Geral da ONU incendiaram as discussões porque quis explicar a guerra. Há dias, outro comentário de um padre francês deixou-me pensativo. Dizia ele, e resumo por alto o sentido que me ficou; não, talvez, o dele.
Esta guerra de raiva e odio é uma guerra de quem não aceita Deus nem a sua escolha de um povo para fazer com ele uma aliança de amor. Quereria dizer que seria uma guerra contra Deus? Não garanto. Veio-me à lembrança uma outra frase que encontrei em diálogo de Internet há uns anos em que alguém, revoltado, dizia (resumo o sentido): como é que não havemos de nos querer vingar contra eles se Cristo nos tira tudo? Não ficamos com nada, vai tudo para os cristãos. Pareceu-me que falava de Cristo que iria atraindo tudo para o seu lado, mas não estou seguro deste sentido.
Uma das notícias que mais tem impressionado refere o Cardeal da Terra Santa a quem um amigo desafiou se estaria disposto a substituir os reféns, principalmente crianças, na Faixa de Gaza. De forma simples e despretensiosa, reafirmou ele ao amigo que se o aceitassem se entregava em vez dos reféns. Estava disposto a dar a vida pelos reféns, em especial, as crianças. « Si, je suis prêt à un échange? [Je ferai] n’importe quoi, si cela peut conduire à leur libération et au retour de ces enfants à la maison, sans aucun problème. Ma disponibilité est absolue».
Tenho consciência que não estou a explicar nada das guerras. Não se explicam. Mas continuo. Há dias fiz um resumo, neste sentido, das palavras de Jesus que nos chocam. «Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu vim trazer o fogo à Terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um batismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra» (Lc. 12, 49-53).
Estas palavras de tribulação chocam-nos e deixam-nos embaraçados sem saber como reagir. Será que Jesus estava a querer falar da sua guerra, do seu morrer e da sua paz? Lembrei-me das palavras de Simeão, no dia da Apresentação no Templo. Claro, Jesus falou do desejo do seu batismo, não era o do Jordão por João Batista, era a sua morte na Cruz, o seu morrer por amor de todos. Simeão foi claro ao dizer que Cristo seria um sinal de contradição para salvação de uns e perdição de outros. Será por uns lhe darem a própria vida por amor por ser Filho de Deus, e outros lha negarem e o negarem?
As notícias correm velozes e o pensamento redemoinha. Aquele filho do fundador do Hamas virou-se, leu Cristo e abandonou a ideia de ser o continuador do pai. Ficou impressionado com o que lhe mostraram e leu na Bíblia, dito e feito por Jesus Cristo: amai os vossos inimigos. Os leitores já entenderam alguma coisa da guerra? Eu ainda não. Mas dá que pensar naquela expressão de alguma guerra ser a guerra de Deus, a guerra de morrer, mas não a de matar. Aquele que aceita viver a palavra de Jesus e cumpri-la, amai os vossos inimigos, e aquele que vive o batismo de Jesus na Cruz vive-a duplamente: não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos. Dizia a notícia que a declaração: “A minha disponibilidade em me entregar pelas crianças é absoluta», em poucas horas tinha dado a volta ao mundo.
As matanças das guerras são factos e são, também, atos maus, pecados graves, de uma ou mais pessoas; o morrer nas guerras pode ser ato muito bom de algumas pessoas. Matar ou tirar a vida a alguém não é da mesma natureza do ato de alguém morrer. Matar uma vida humana é um facto de mal; alguém morrer é (pode ser) um facto e ato de bem de muitas pessoas. Matar é sempre contra o «não matarás», seja aborto, eutanásia, assassino, violência, massacre. É matar vidas humanas e não pode haver estados de direito, civilizações ou religiosidades assentes no matar. Morrer pode ser caminho para Deus, como Cristo disse: Pai, nas tuas mãos entrego a minha vida. É isso que celebramos na Festa dos Santos, uns morreram, simplesmente, outros morreram, martirizados (matados) por Cristo. Muitos milhões. E também muitos milhões de fiéis defuntos morreram entregando-se ao Pai em ato bom.