Circe Maia, poeta – ou poetisa – uruguaia nasceu em Montevidéu em 1932, lá desenvolveu seus primeiros estudos e conheceu aquele com quem se casaria e com quem se mudou para a cidade de Tacuarembó, em 1962; o casal gerou seis filhos. Desde então, esta cidade no centro-norte do país tem sido o lar da autora. Circe nasceu e foi criada em uma família bem posta, seu pai era um escrivão titular de cartório, e foi precisamente ele que custeou o primeiro livro de poesias da filha, quando esta tinha somente doze anos de idade; a coletânea chama-se “Pluminhas”, e foi editada em 1944. Aos 19 anos sofreu a morte súbita da mãe, o que deixou marcas profundas no seu primeiro livro de poesia madura, publicado aos vinte e seis anos e intitulado “No tempo”, em 1958.
Nossa autora cursou estudos de filosofia e mais adiante dedicou-se a ser professora de filosofia no Instituto de Formação Docente, já em Tacuarembó. Ao longo de sua carreira, Circe tem obtido diversos galardões, como o Grande Prêmio Nacional do Trabalho Intelectual, do Uruguai, o Prêmio Internacional García Lorca, de Espanha, e o Prêmio Bartolomeu Hidalgo, este certame literário do Uruguai que incentiva a produção de livros desde 1988, e o qual ela conquistou três vezes.
Ressaltamos que Circe Maia é escritora, poeta, professora e tradutora, e que ela possui vinte e quatro livros editados, entre coletâneas poéticas, traduções do inglês, sendo uma delas uma obra de Shakespeare, três gravações discográficas, e que o mais recente prêmio vem de lhe ser outorgado e recebido em 2023, trata-se do XX Prêmio Internacional García Lorca, por “converter a poesia em um método de conhecimento da realidade, que se baseia na experiência cotidiana com uma linguagem transparente e exata”.
Aproveito desta frase recente de elogio à poeta, e cito o que ela própria nos orienta: “Defendo-me com uma linguagem completamente cotidiana, e se no final eu sugerir outro problema, em algumas linhas, pode acontecer que o leitor nem perceba e então parecerá nada mais que um poema doméstico, em que falo do leite, do açúcar que está na mesa. Uma amiga me disse: que bom que você me apoia na minha vida de dona de casa, para exaltá-la… (risos) Se eu pudesse, e não parecesse muito pretensioso, mostraria problemas filosóficos que são dados em meus poemas e que pouca gente percebe, porque não são citados”, explicou Circe Maia em entrevista.
Passamos agora a expor alguns de seus poemas. O primeiro intitula-se “Dupla imagem”, de 1998: “Muitas vezes o pensamento / inveja o olhar. / o olhar sem pensamento / o puro olhar // Aí estão essas árvores / dobradas, invertidas / no reflexo da lagoa / e não, como em outras vezes / com muita claridade, não, porque a água / está levemente crespa, muito levemente. / Então, / a imagem está um pouco / borrada / – a imagem inferior, tremendo, apenas / um pouco menos nítida – / E é como se eu expressasse alguma coisa / cujo tema é a outra, sem dúvida. / Mas, que coisa? / Propõe mundo duplo? / Pensamento confuso. / Olhada clara.”
Esta abertura privilegiada permite os encontros e desencontros da poeta; é seu olhar para fora do mundo que lhe permite um “outro olhar”, ou melhor, um “olhar outro”; temos aí um texto que nos permite um olhar que interpela o pensamento!
O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) afirmou ser “… injusto, muito injusto, que tantos amantes da melhor poesia ainda não tenham descoberto Circe Maia”; por isso compartilho com os amigos leitores duas poesias de Circe Maia, “As pesadoras de pérolas”, de 2013. “Velocidade crescente”: Há uma sensação / de que os dias passam / mais rápido e que não há tempo / de muitas despedidas. // Soa uma voz, como de inseto, / por detrás dos dias / e por detrás das noites / pequena picada, mas não para / quando queres ver, os dias se desmoronam / como se tivessem sido devorados por dentro. // (As mandíbulas invisíveis / dão cada vez mais velozes / dentadas.) // E finalmente, “Breve sol” : “Na ultima hora do sol os raios atravessam / pelo ar, escolhendo: “este sim, este não.” / Eles permanecem na sombra / a maioria; os escolhidos brilham / com crostas douradas. Ascendente / a luz atinge outras folhagens, deixa estas / e uma distante brilha. Não há mais tempo / para chegar lá. / Quem sabe? Vamos.”
Para finalizar: este espaço da Circe – e seus silêncios – propõem a experiência mesma de uma escritura, de um ensaio que toma do discurso poético o registro de seu desejo e a firmeza de seu pensamento, e ainda, de sua renúncia situando-se sob sua visibilidade muito especial; se quisermos e se o alcançarmos, podemos encontra-la em sua própria invisibilidade.