Temos assistido de tudo nos últimos dias, já decorridas duas semanas do ataque do Hamas a Israel. Até mesmo um político que prometeu sair da política – e como politiqueiro não cumpriu a promessa,- anda se metendo a historiador. Aguentar estes áulicos é dose pra mamute, como dizíamos antigamente.
O tema é pra lá de espinhoso, mas algumas coisas podemos falar de forma altissonante: é inadmissível o ataque e patética sua defesa. Enquanto atravessamos a madrugada no Aeroporto de Roma, leio as principais notícias da Itália, como a visita de Giorgia Meloni a Israel: “Estou feliz de estar aqui. Pensava que seria muito importante vir pessoalmente para prestar solidariedade do governo italiano e do povo italiano, e para dizer-te que pelas imagens que assistimos pra nós é incrível o que aconteceu duas semanas atrás. Mostra-nos qualquer coisa mais que uma simples guerra, mostra-nos a vontade de aniquilar os hebreus desta região e é um ato de antissemitismo. E devemos combate-lo, hoje como ontem”.
É inequívoco que o governo brasileiro patina num discurso no mínimo dúbio, pisando em ovos para não desagradar o Hamas. Alguns movimentos brasileiros e mesmo políticos de partidos de esquerda saltaram em defesa do ataque, usando o eufemismo “direito de defesa”. Desde o início revirei os neurônios tentando entender o malabarismo: você ataca porque tem o direito de se defender …
Estivemos por duas vezes em Israel. Na segunda delas entrevistei um palestino que possui um café junto ao Portão de Damasco. Para obter a entrevista recorri a um outro palestino, proprietário de um modesto bar, onde tomamos suco de romã em mais de uma ocasião. Enquanto instalava o equipamento na cafeteria, dois rapazes tomaram assento e lá permaneceram por quase duas horas. Faziam de conta que liam jornais e cada um deles tomou um café. Assistiram a gravação. Como sabiam que gravaria a entrevista?
É claro que passaram a seguir meus passos depois que perceberam minha aproximação com o rapaz do suco de romã. Reviraram nossas coisas na hospedaria em que nos encontrávamos enquanto tomávamos o café da manhã e até nosso embarque senti que estávamos sendo monitorados. Certamente por agentes trainees, que por vezes não conseguiam dissimular seu intento. Sua escalação foi razoável, porquanto eu não representava risco algum. Apenas cumpri um trabalho jornalístico, que contudo não me permite fechar os olhos para a agonia dos que se identificam palestinos, que não são cidadãos israelenses, nem possuem passaporte. Além disto, cidades cercadas por muralhas, como Belém, são realidades humilhantes.
Este relato não é uma denúncia, senão a constatação do insone estado de apreensão em que vive Israel. O contraponto de inquietude foi Ramallah, onde fomos também seguidos, desta feita pelos palestinos. Num lado ou noutro, longe está de ser uma situação saudável. É como se todos vivessem pisando em um campo minado. O desgaste emocional não é pequeno.
O sionismo, surgido após a queda do Segundo Templo, tem origem na expulsão dos judeus dos territórios que ocupavam e expressa a vontade de retornar à terra ancestral, propiciando a vinda do Messias, conjugando os planos sagrado e terreno. Há quem se pergunte se tal arranjo não conduz a uma teocracia dissimulada.
Muito antes da segunda guerra mundial a Inglaterra sinalizara seu apoio para a criação de Israel a partir da “Declaração de Balfour”. Os palestinos se posicionaram contra a imigração crescente e a criação de um Estado judeu. Os eventos da segunda guerra catalisaram o processo.
Particularmente penso que os palestinos erraram ao não aceitarem o plano da ONU quando da criação do Estado de Israel. Desde a recusa, o que ganharam? Os países que se envolveram perderam guerras e territórios, como as Colinas de Golan, no caso da Síria, e o Sinai, no caso do Egito, só devolvido após a assinatura do Tratado de Camp David.
Netanyahu afirmou que “esta é a hora mais escura, uma batalha entre a força da civilização e os bárbaros realmente monstruosos que mataram, mutilaram, violentaram, decapitaram, queimaram pessoas inocentes, crianças, avós”.
Netanyahu é um político controverso, suas decisões podem ser discutidas, mas sua indignação é legítima. Uma das cenas mais brutais que assisti foi a de um terrorista urinando num cadáver, para depois pisar nele. Não tenho a menor atração por vídeos desta natureza, repulsivos para quem ainda não perdeu laivos de humanidade, mas também assisti, ainda que com os olhos semicerrados, as cenas hors concours de dois soldados queimados vivos.
Como defender coisas como estas? Como chamar isto de resistência, de direito de defesa? Trata-se de uma tentativa de subverter a lógica ou qualquer entendimento que se possa denominar humano.
Interessante lembrar que Maomé é admirado como perfeito pelos muçulmanos, contudo consideram que ele foi apenas humano. Além de um líder religioso, Maomé foi também um líder político e militar, tendo inclusive comandado batalhas. Consta que não rejeitou por inteiro o judaísmo e o cristianismo, mas segundo ele tais religiões deveriam ser protegidas e corrigidas, porquanto seus ensinamentos originais teriam sido esquecidos ou corrompidos.
Deparei-me pela primeira vez com esta visão ao ler “O reino da quantidade e o sinal dos tempos”, obra na qual René Guénon claramente manifesta que o islamismo poderá assumir a missão de salvar o cristianismo … Cá com os meus botões, isto é no mínimo muito pretensioso.
No livro “A crise do mundo moderno”, Guénon registra que a “oposição entre Oriente e Ocidente não tinha nenhuma razão de ser quando no Ocidente também havia civilizações tradicionais; portanto, ela só tem sentido quando se trata essencialmente do Ocidente moderno, porque essa oposição é muito mais a de dois espíritos do que a de duas entidades geográficas definidas mais ou menos nitidamente. Em certas épocas, das quais a mais próxima é a Idade Média, o espírito ocidental assemelhava-se muito, pelos seus aspectos mais importantes, ao que é ainda hoje o espírito oriental, bem mais do que ao que ele mesmo se tornou nos tempos modernos; a civilização ocidental era então comparável às civilizações orientais, ao mesmo título em que estas o são entre si. No decurso dos últimos séculos produziu-se uma mudança considerável, muito mais grave do que todos os desvios que se haviam manifestado anteriormente em épocas de decadência, visto que ela chega a determinar uma verdadeira inversão na direção dada à atividade humana; e foi exclusivamente no Mundo ocidental que esta mudança teve origem. Por consequência, quando digo espírito ocidental refiro-me ao que existe atualmente; e como o outro espírito apenas se manteve no Oriente, chamo-o, sempre em relação às condições atuais, espírito oriental”.
Será possível algum dia conciliar tudo isto?