Francisco Brines é um poeta desconhecido dentre nós, leitores brasileiros, o que não nos impede, absolutamente, de tentarmos absorver um pouco de sua escrita e principalmente de sua poesia. O autor nasceu em 1932 em uma cidade de Valência, ao leste de Espanha, e faleceu igualmente em Valência, no ano de 2021.
Filho de abastados proprietários agrícolas valencianos, ele estudou Direito inicialmente na universidade de sua província e logo após terminou seu curso em Salamanca e a seguir estudou Filosofia e Letras em Madrid. Foi professor de literatura espanhola na Universidade de Cambridge e mais tarde de língua espanhola na Universidade de Oxford, ambas na Inglaterra; também dedicou-se a revisões de texto clássicos, no sentido de arranjos atualizados e de adaptações de linguagem para nossos dias.
Em 2001 foi nomeado membro da Academia Real Espanhola para ocupar a cadeira de identidade “X”, a qual tomou posse em 2006. Foi laureado com distinção com o Prêmio Nacional das Letras Espanholas, em 1999, o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 2010, e o Prêmio Miguel de Cervantes de 2020. Sua antologia de poemas, “A Última costa”, foi eleita como o livro do ano de 1996 e recebeu prêmios diversos pelo mesmo, em 1998.
Desde 2018, no município de Oliva, em Valência, o autor tem sua sede da Fundação Francisco Brines, entidade criada com a finalidade de difundir a obra do poeta e igualmente de promover as atividades vinculadas à poesia. O poeta valenciano foi também galardoado como Doutor “Honoris Causa” na cerimónia de abertura académica do novo ano letivo de 2001-2002, na Universidade Politécnica de Valência.
Recentemente, ainda neste ano de 2023 e em Espanha, a Editora Renascimento publicou uma biografia do poeta, com o título “A vida secreta dos versos”. Com certeza, podemos caracterizar sua obra como uma composição personalista, uma lírica intimista e uma poesia elegíaca, a saber, quando a melancolia se instala frequentemente. A obra poética do autor tem início a partir de 1960, com seu livro “As brasas”, e a seguir “Hontanar”, em 1971, e mais outros sete livros publicados, sendo “Palavras na escuridão”, de 1966, consagrado com o Prêmio da Crítica, em Madrid.
Em suas antologias e reedições, destacamos “Ensaio de uma despedida”, que abarca de 1960 a 1971, e mais “Antologia poética, Valencia”, em 1998, e ainda próximo de mais trinta coletâneas poéticas. Adicionalmente, outras obras nos remetem a “Escritos sobre a poesia espanhola contemporânea”, de 1994, por exemplo. Agora, selecionamos alguns de seus poemas, sendo eles ao mesmo tempo vitalistas e meditativos, e os quais valeram o Prêmio Cervantes de 2020 ao autor.
Primeiro, “O outono das rosas”, 1986: ‘Você já vive na época do tempo atrasado: / Você chamou isso de outono das rosas. / Inspira essas rosas e acende-te. / E ouça / quando o céu se apaga, o silêncio do mundo.’ O céu se apaga quando? Quando deixamos de aprecia o odor das rosa? A melancolia apresenta-se profundamente neste poema, mas ao mesmo tempo manifesta-se o impulso vital do conselho que nos é oferecido pelo poeta.
Segundo: “A última costa”, 1995: ‘Havia uma barcaça, com personagens sombrios, / na margem pronta. A noite da terra, / sepultada / E mais além aquele barco, com luzes fracas, / onde se aglomerava, com fervor, embora triste, / uma multidão enlutada. / Na frente, aquela bruma / cerrada sob um céu já sem firmamento. / E um barco esperando, e outros encalhados.’
Nós estamos nesse barco sem perspectivas, é este o último limite que nos resta, chegamos ao limite da pequena margem do rio? Este é um tom profundamente elegíaco dos versos do autor: a tristeza com a qual nos deparamos em uma visão melancólica da beleza e do fim de nosso tempo.
Finalmente, “O Anjo do poema”: ‘Dentro da mortalha desta casa / Nesta noite árida com tanta solidão, / olhando sem nostalgia o que se foi na minha vida, / O que não poderia ser, / esta vasta ruína do passado, / também sem esperança / no que ainda está por vir para me flagelar, / só um bem é possível: o aparecimento do anjo, / seus olhos vivos, não sei de que cor, mas de fogo, / a paralisia diante do rosto mais lindo. / Depois de ouvir, saindo do silêncio e de tanta solidão, / sua voz sem tradução, que é apenas uma compreensão fiel sem palavras. / E o anjo faz, fechando minhas pálpebras e aninhando-se nelas, a sua / aparição posterior: / Com sua espada de fogo ele expulsa o mundo hostil, que gira lá fora, / às escuras. / E não há Deus para ele, nem para mim.’; “A Última Costa”, 1995.
Os dois polos da poesia de Brines está presentes nesta poesia, quando o isolamento e a morte se aproximam, mas ainda temos um anjo para nos proteger, de uma forma ou de outra possível! É muito bonito deixar-se levar pela verdade profunda da poesia de Brines, seu verso literário nos oferece essa satisfação e ao mesmo tempo também é muito revelador: mergulhar na alegria profunda e melancólica que propõem as suas elegias, isso nos presenteia com a mais bela poesia em espanhol das últimas décadas.
Aproveitem e busquem mais deste autor tão importante e desconhecido pela maioria de nosso país.