Enquanto o Sena tem nas proximidades o Museu do Louvre, a Torre Eiffel, Notre Dame e outras tantas atrações turísticas, nossos rios carregam lixo e recebem o vômito de esgotos. Parlamento à sua direita, o Tâmisa tem a largura dos que sonham mais alto e suas águas já não conduzem a podridão.
Enquanto isto, nosso rio Caí segue maltratado. Não por falta de planos, mas segue extravasando de vez em quando, como neste ano em que o clima tem empapado o solo e o sol parece ter diminuído sua jornada.
Nos tempos de menino, quando os dinossauros ainda existiam, as enchentes eram quase uma atração. Coisa meio sádica, os que não padeciam perambulavam pela cidade a observar as ruas inundadas. O que fazer, não é mesmo? É preciso suportar isto de vez em quando e desestimular construções ribeirinhas. Danem-se os que menos têm e os despossuídos, atraídos pelo preço de áreas inundáveis ou mesmo pela disponibilidade de áreas marginais sem contestação de posse.
Certas recomendações, ou proibições, são tão inúteis quanto admoestar os que remexem lixeiras à procura do que comer ou vender. Assim, nossos rios, à volta dos quais crescem cidades e civilizações, seguem maltratados, como se não dependêssemos deles.
Mas o problema é ainda maior. Dias atrás conversamos com uma professora que reside perto do rio e é vitimada pelas enchentes. Nos contou sobre o estado de alerta em que se vêem quando as águas decidem visitar a várzea. Muito além da imundície, toda espécie de bichos aparece pelos ralos: aranhas, cobras, … É preciso dormir com um olho aberto, mas isto ainda é pouco.
O pior é perceber que existe gente capaz de saquear residências abandonadas pelos flagelados. Com caíques, invadem para roubar o que puderem. Nos disse que uma forma de desestimular tais canalhas é deixar luzes acesas, se a energia elétrica ainda estiver disponível. Se não há energia, acende-se velas na vigília noturna …
Muita conversa foi dissipada, assim como recursos públicos no custeio de projetos que não saem do papel. Acompanhei o último estudo para mitigação das cheias do Caí. Contou com boa técnica e sua primeira fase foi concluída. Sua continuidade já foi planejada para as calendas. Porque grandes obras precisam de grandes homens.
Mas que seja. Que nada se faça para mitigar as enchentes. Que nossos descendentes padeçam do mesmo mal por séculos e séculos, amém. Mas os saques não dá para aceitar. Não dá.
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Com a lei debaixo do braço, a sociedade tem seus conceitos tácitos. Corrupto é aquele que rouba, aceita propina ou aufere vantagens ilícitas. Ilícito é tudo aquilo que contraria a lei. E o que não estiver previsto em lei está no limbo, à espera da regulamentação que a conduzirá ao céu do códice dos deuses.
Mas corrupto também é o que foi adulterado. Assim, a alteração ruinosa do espírito republicano das instituições também indica corrupção. Portanto, se percebermos a mudança do jargão “todo o poder emana do povo e por ele será exercido” para um regime escandalosamente corporativista, com privilégios típicos de castas, já estaremos nadando de poncho em águas corrompidas.
Sob o teto da lei, por vezes casuístico, temos assistido verdadeiras barbaridades nos três poderes. E seguimos devidamente calados. Salvo os poucos que se erguem, para logo serem perseguidos, exilados da sorte ou processados por alguma agulha no palheiro das leis. Agulha que pode ferir. Ou intimidar, que é ferir a livre expressão.
Num país de uma gente pobre, que precisa ser socorrida por mecanismos sociais cada vez mais extensos, do vale-gás ao auxílio mensal, seguimos tolerando legislativos com gabinetes inchados, executivos contratando apaniguados sob a rubrica cargos-de-confiança e um judiciário moroso, distante da realidade, com auxílio-paletó, auxílio-refeição, aposentadoria integral e ainda, aqui e acolá, contaminado por vertentes gramscianas.
Passeios, palestras, cursos sem interesse algum, que não seja o de passear. Vilegiaturas no exterior que nós estamos a pagar, mas tudo sob o escrutínio da lei. Não dá. Até quando?