O exército israelita arrasou todas as principais cidades de Gaza. Muitos palestinianos morreram. A ONU recolheu em tendas precárias um milhão e meio de refugiados.
Passei o mês de Julho na Terra Santa, aproveitando a oportunidade para visitar os lugares santos e também para entender aquele ambiente tão complexo, com tantos aspectos positivos e tantos problemas dramáticos por resolver. É sobre essas desgraças que escrevo agora.
No final do século XIX, desenvolveu-se nas comunidades israelitas espalhadas pelo mundo o anseio de reconstituir o Estado de Israel nos moldes em que existia alguns séculos antes de Cristo. Na época de Jesus, o país estava dividido e dominado por Governos estrangeiros, mas ainda lá viviam várias tribos, como os judeus, os galileus e os samaritanos, até o exército romano as expulsar no ano 70. Desde então, ao longo de 20 séculos, poucos israelitas sobreviveram naquela zona.
Paradoxalmente, aqueles que desejavam reconstituir o Israel bíblico eram geralmente ateus. Situação estranha, porque o argumento para expulsar os habitantes da Palestina e instalar-se lá era recuperar um direito prometido por Deus. Como só os israelitas praticantes é que tinham credibilidade para defender esse argumento, os promotores do Estado de Israel não os podiam dispensar, de modo que esse grupo de ateus e agnósticos teve de negociar com os judeus genuinamente praticantes, os chamados judeus «haredi».
Ora, estes defendiam que Israel tinha sido expulso da sua terra por ter sido infiel a Deus e a única solução era o povo arrepender-se e pedir a Deus que o perdoasse. Enquanto não tivessem Deus consigo, de nada serviria a força das armas. Contudo, aceitaram validar o direito de Israel em troca de não terem de trabalhar nem de prestar serviço militar.
Pelos anos 30 – 40, chegaram multidões de judeus à Terra Santa, de todo o mundo, para ocupar o território. Se possível, compravam o terreno, se não, recorriam à força. Os britânicos, que tinham um mandato da Liga das Nações para governar a zona, tentaram controlar a situação, mas não aguentaram a violência dos grupos terroristas israelitas. Estes activistas, que matavam ingleses e palestinianos, são hoje celebrados em Israel como heróis da pátria e são sempre referidos como «terroristas» entre aspas.
Finalmente, em 1948, os israelitas declararam a independência. A primeira dificuldade é que uns queriam incluir uma referência a Deus, como na Declaração de Independência dos Estados Unidos, mas muitos outros rejeitavam absolutamente tal hipótese, porque eram ateus. Ben Gurion resolveu o impasse encerrando a Declaração com as célebres palavras «…assinamos esta Declaração com confiança na Rocha de Israel». Os rabinos ficaram satisfeitos porque Deus é a verdadeira Rocha de Israel; os ateus aceitaram a alusão à sua força militar e compreenderam que era necessário algum equívoco para manter o apoio dos rabinos.
Imediatamente, os países vizinhos reagiram, mas foram surpreendidos pela superior qualidade do exército israelita. Israel ganhou todas as batalhas e alargou aos poucos as fronteiras iniciais.
Na prática, resultou um país em que há muitos obstáculos para praticar outra religião, mas grande parte da população é agnóstica ou ateia. O ódio atinge níveis chocantes, no pólo oposto ao mandamento cristão do amor. A vingança cruel é aceite como normal e por isso, em média, os israelitas matam 20 pessoas por cada israelita que é morto. Para a nossa tradição cristã, parece um programa demoníaco misturado com uma religiosidade sufocante, em que é difícil entrever a bondade e a justiça de Deus.
Na altura da independência, Ben Gurion, primeiro Chefe do Governo, referindo-se aos judeus ortodoxos, considerava sustentável que 2% da população não trabalhasse e vivesse de subsídios. O problema é que, de então para cá, os 2% de 1948 tiveram muitos filhos e as restantes famílias muito menos, de modo que os antigos 2% constituem hoje 30% da população israelita, se descontarmos os árabes. Outro problema é que estes 30% só frequentam a escola rabínica, onde não aprendem nem matemática, nem física, nem inglês. É surpreendente ver um país desenvolvido onde tanta gente nova não entende uma única palavra de inglês nem recebeu instrução em sentido moderno.
Noutro momento, tentarei descrever a situação actual. O resumo é que os terroristas do Hamas mataram quase 1500 israelitas há cerca de um mês e o exército israelita matou a seguir cerca de 15 mil palestinianos. Quantos faltam ainda morrer?