Bertolt Brecht nasceu em Augsburg (1898) e faleceu em Berlim (1956)
Na nossa última visita à Biblioteca, antes de partir para o sul, vimos a peça de teatro La Madre, de Bertolt Brecht.
A obra de Brecht está baseada numa novela de M. Gorki, sobre a vida de Pelagueia Váslova de Tver, que por coincidência eu tinha lido nos dias anteriores. Mas Brecht não fez uma mera adaptação do texto de Gorki, sua peça introduz situações novas, ainda que no mesmo contexto da Primeira Guerra Mundial. Pelagueia Váslova é uma mulher pobre, iletrada, doente, que tem um filho politicamente ativo. O filho é preso, desterrado para a Sibéria, liberado, cria uma imprensa clandestina onde ela também colabora, é obrigado a partir para o exílio e ao retornar é preso e fuzilado. Em meio a toda a sua desgraça, Pelagueia Váslova recebe a notícia do começo da Primeira Guerra Mundial.
As cenas – que giram em torno das calamidades provocadas pelas guerras e do papel das mulheres num confronto bélico – tematizam situações de grande intensidade, mas a dramaturgia procura evitar o envolvimento emocional do espectador e despertar sua reflexão crítica, usando o método do distanciamento, caraterístico do teatro brechtiano.
A 13ª cena se passa em 1916, e as protagonistas são mulheres russas em um centro de coleta de cobre para a Pátria, a guerra as obriga a entregar seus objetos de cobre (copos, chaleiras, jarras), para serem utilizados na fabricação de cartuchos, balas e granadas. Ou seja, munição para que soldados russos matem os alemães, que por sua vez os matarão, uns pelo Czar e os outros pelo Imperador. Se enfrentam os grupos favoráveis à guerra e os contrários, com seus argumentos, e em torno à coleta do cobre Brecht desenvolve um panfleto antibélico, uma denúncia da guerra e todas suas consequências devastadoras, cujo peso maior recai sobre as mulheres, convertidas em viúvas, mães desconsoladas, mulheres famintas e sem objetos de cobre em casa… Me pareceu o momento mais forte da encenação, não só pelas discussões mas também pelos adereços e elementos de decoração. O que dá para entender, afinal é o cobre que sustenta a vida dos chilenos…
(E essa versão local injetou sutilmente no debate a Guerra do Pacífico (1879-1883), em que Chile conquistou 120 mil quilômetros quadrados do território boliviano, tornando Bolívia um país sem saída para o mar.)
Havia cartazes espalhados pelo cenário, contendo divisas como:
– La guerra es un monstruo enorme que se alimenta de sangre humana. –
Ou então:
– Sin las mujeres, no hay ningún movimiento de masas autentico. –
No dia seguinte, um domingo, partimos para o sul. Jano nos levou até a Gran Avenida, caminhamos uma meia hora e um caminhão nos levantou, nos levou pela Panamericana até San Fernando. De lá pegamos carona com outro caminhão, que nos largou em Talca. Quando baixamos, se nos deparou, perto, à beira da estrada, uma leiteria. Jorge foi lá machetear e ganhou um balde cheio de leite quente. Assim que sentamos por ali e tomamos o que deu de leite. Eu tomei tanto, que tive de vomitar um pouco em seguida, pra aliviar o estômago…
Foi onde nos falaram da Feira Internacional, que se estava realizando naquela cidade. Fomos para lá, havia muitos estandes com mostras de artesania, atividade que recebeu grande incentivo do governo popular. Caminhando por lá, encontramos um pessoal que estava armando microfones sobre um palanque. Eram da emissora de rádio local e estavam preparando a parte musical do evento. Então, sem me perguntar, Jorge deu uma de empresário, falou das minhas qualidades e me ofereceu para cantar nas apresentações. Havia um conjunto de guitarras elétricas e bateria, que fazia o acompanhamento, ensaiamos rapidamente duas canções. Pela noite cantei, e saiu bem. Mas eu fiquei meio aborrecido, porque a gente do lugar não acreditava que eu fosse brasileiro, alguns me falavam em inglês e me tratavam como se fosse americano. E depois da minha apresentação, veio a Polícia pedir meus documentos. Por sorte estavam todos no bolso…
Saímos a caminhar e chegamos num Stand onde havia gente tomando vinho e comendo pescado. Aí o Jorge me empresariou novamente, para tocar ali pelo vinho e pelo pescado. O resultado foi que enchemos a cara e eu fiquei bem obnubilado. Só me lembro que houve uma briga e tudo o mais. E depois saímos caminhando, caminhando sem fim pela noite, com o Jorge de guia. Vagamente eu sabia que estávamos indo para a casa de um rapaz, que trabalhava na Rádio e nos convidou à sua casa. Finalmente chegamos num lugar com muitas árvores, e no meio havia uma casa de dois andares com uma porta central de entrada. Bati na porta, e voltei a bater durante muito tempo, e ninguém vinha. A única resposta lá dentro era um cachorrinho, que se lastimava sem parar. Eu achava que talvez fosse preciso bater mais forte, mas não tinha forças. E na verdade, não havia certeza que a casa do rapaz era de fato ali. Jorge estendeu seu saco no chão e dormiu. Como lhe havia emprestado meu pulôver, eu estava batendo queixo de frio. Aí de repente Jorge se levantou e passou a golpear e patear a porta com toda a força. Aí sim, veio gente. Era ali mesmo. Eles estavam todos no andar de cima e não escutaram as minhas débeis batidas. Entramos, eu estirei a rede com os cobertores, pus a gabardine e dormi imediatamente, até o outro dia. E foi um dia em que comemos bem. Quando acordei estavam o rapaz e duas irmãs ajudando a mãe a preparar humitas, que são comidas de milho ralado. Elas são postas a cozinhar envoltas em folhas verdes de milho. Me chamaram para ajudar e entramos em grandes conversas. Até que as humitas ficaram prontas e almoçamos.
Depois disso partimos, fomos à estação de trens. Havia um trem de carga pronto para arrancar. Com um vagão vazio e atapetado de palha seca, onde nos instalamos. E logo começou a chegar mais gente, entrou um bando de guris, fugitivos de um reformatório de menores. Eram muito simpáticos e não tínhamos qualquer prevenção contra eles, nem cuidados. Nos afanaram três facas e um garfo.
Também viajavam dois homens mais velhos, daquele tipo sem domicílio, que vive a percorrer o país, buscando trabalho ou simplesmente mendigando e vivendo de alimentos jogados fora.
Personagens de Gorki ou de J. Steinbeck, linyeras como chamam no Chile. Atorrantes. Viajaram o tempo todo de pé, olhando a paisagem que o trem ia deixando para trás. Fumando umas baganas que eles preparavam com as palhas que cobriam o piso do vagão, um deles com a mão tremendo sem parar. Desceram do trem bem antes de nós, que saímos em Temuco.