Cidades inteiras arrasadas.
Durante o mês de Julho, que passei em Israel, descobri um ódio que não esperava. Um amigo que conheceu os campos de refugiados no Líbano, onde mais de um milhão sobrevive há décadas, sem infra-estruturas, nem sistema de educação ou cuidados de saúde, tinha-me falado do desejo de vingança dessa gente, que sonha expulsar os israelitas e voltar à sua terra. Já tinha ouvido falar dessa parte do ódio, mas ignorava a agressividade expansionista de Israel e o gosto do Governo israelita por exasperar os árabes.
Em Julho, um momento emblemático deste esforço de acirrar os ânimos foi a ida de um Ministro com a sua escolta policial à esplanada do Templo, para a profanar. Desde que o Templo foi destruído, há cerca de 20 séculos, os judeus abstêm-se de ir lá, por respeito à memória antiga. Em contrapartida, os muçulmanos edificaram nessa esplanada várias mesquitas importantes. Por isso, foi fácil para as duas partes incluir nos acordos de paz de 1967 a cláusula de que nenhum judeu entraria naquele lugar sagrado para os muçulmanos. Foi este acordo que o Governo israelita desrespeitou, para os ofender. Para um novato naquele país, o gesto foi um choque, por enfurecer a população árabe sem nenhum ganho.
Não visitei Gaza. Nos territórios da Cisjordânia, teoricamente governados pela Autoridade Palestiniana, entrei algumas vezes. Sente-se a opressão sufocante do exército israelita e custa ver a humilhação dos civis, à vista de todos. Barreiras, revistas, controlos, patrulhas por todo o lado. O território é pequeno e está dividido por muros intransponíveis, como se fosse o pátio de uma prisão. Não se consegue sequer espreitar por cima dos muros. A água, a electricidade e a comunicação com o exterior passam pelos guardas e pela supervisão israelitas. A União Europeia queixa-se de que até os medicamentos oferecidos pela Europa ficam retidos. A autonomia é um mito.
Em Israel, o plano de anexar os territórios vizinhos, começando pela Cisjordânia, assume-se com frontalidade. Para isso, criam-se colonatos, umas «ilhas israelitas», que se vão multiplicando, alargando e ligando umas às outras. O Supremo Tribunal Israelita vetou o programa de anexação, por considerar que era contrário aos princípios do país, mas o Parlamento retirou-lhe o poder de veto e prosseguiu a operação. Em Julho, assisti a gigantescas manifestações para travar esta loucura, mas a maioria parlamentar manteve-se inamovível.
Não conheci directamente a faixa de Gaza, que me descrevem como uma ditadura terrível do Hamas, confinada pelas forças de Israel. Como se sabe, no princípio de Outubro, o Hamas ultrapassou o seu limite, matou muitos israelitas e fez numerosos reféns.
A reacção de Israel foi vingar-se na população e anexar o território. A primeira medida foi cortar a água e a electricidade e impedir a chegada de alimentos. A seguir, arrasaram as cidades. Através do Vaticano, conhecem-se algumas histórias. Uma aldeia cristã de 700 pessoas foi intimada a fugir, mas foi impossível, porque os israelitas cortaram o combustível. Depois do bombardeamento, os sobreviventes reuniram-se nos escombros da igreja. Uma senhora de 82 anos, professora de música, saiu para ver como tinha ficado a sua casa e foi alvejada. Passou toda a noite estendida na rua, porque os militares não permitiram socorrê-la. Na manhã seguinte, foi esmagada pelas lagartas de um tanque.
A selvajaria da invasão não poupa crianças, nem idosos, nem hospitais. Por vezes, justifica-se o número de mortos, muito superior às vítimas do Hamas, dizendo que os terroristas do Hamas se escondem atrás dos civis, mas, internamente, Israel assume o ódio e o desejo de exterminar os palestinianos como desígnio nacional.
Mal começou a invasão, o Presidente Isaac Herzog disse, em conferência de imprensa, que todos os civis palestinianos eram combatentes nesta guerra. «É a nação toda inteira que é responsável. Esta retórica acerca de civis que não se deram conta não é verdadeira. É absolutamente falsa. Eles podiam ter-se revoltado. Podiam ter lutado contra esse regime perverso que tomou conta de Gaza num golpe de estado».
A fragilidade da natureza humana explica muitas quedas. «Seria tão bom ficar com aquele dinheiro, se ninguém reparar!»… «É injusto, mas apetece tanto!»… Embora estes pecados ofendam a Deus e degradem quem os comete, há neles qualquer coisa de positivo, uma atracção por algo bom. Pelo contrário, os pecados de puro ódio são completamente inumanos. Sente-se neles o cheiro horrível do Inferno, a gargalhada do Demónio a deleitar-se com a infelicidade humana. Matem-se! Destruam-se!, diz ele. É difícil imaginar o sofrimento de Deus, tão ofendido.