“Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar.”
Heitor Villa-Lobos
Ciranda é uma dança, muito popular em Pernambuco e Paraíba. Teria sido inspirada nos movimentos das ondas do mar. Mãos dadas a girar pelo salão, movendo o corpo ao ritmo da música. A vida é uma ciranda, por estarmos em constante movimento seguindo os compassos ditados pelas necessidades humanas, em busca da satisfação.
Remontem comigo aos anos iniciais da nossa juventude; asas à imaginação para descortinar movimentos joviais de nós outros, em busca dos meios e caminhos da futura realização pessoal. Inegável que o estudar, entremeado por brincadeiras, danças e uma gama de diversões tinha por fim o conhecimento, o encontro da realização de ideais alimentados desde tenra idade.
As áreas de chão batido eram próprias para brincar de autinhos; pequenos carrinhos em madeira deslizavam pelas estradas abertas com as próprias mãos; garagens e túneis eram construídos na areia a estacionar os carros idealizados pela fértil imaginação da criança: eram Caddilac, Mercury, Citroen, Austin, entre outros. Meu padrinho olhou a minha obra e disse que eu deveria ser ENGENHEIRO.
Que coisa engraçada a sugestão dessa profissão: mesmo sendo bom aluno, tinha pavor da matemática! Eu era dispersivo, sonhador, sempre questionando as regras … Mas a elas sempre me amoldava. Cheguei a ser chamado de puxa-saco dos maristas, por seguir suas recomendações, conselhos e estudos, mesmo discordando intimamente de algumas – não queria copiar o Regulamento, como castigo.
Ao tempo da quarta série ginasial, os maristas trouxeram psicólogos para avaliarem nossa vocação profissional. Depois de vários testes, indagaram sobre as profissões que almejávamos no futuro. Eu sugeri três; de duas lembro: embaixador e professor. Decorrido algum tempo, fui entrevistado por um dos profissionais e recebi a resposta: as profissões escolhidas eram boas e interessantes; mas deveria pensar um pouco antes de responder; ser menos afoito.
O senhor meu pai vocacionou-me ao comércio; deveria dar continuidade ao nosso negócio. Desde muito cedo ajudei nos trabalhos, tanto na fábrica quanto na loja; a ambos considerava prisão … Sempre atrás do balcão, esperando pelos fregueses, sem poder demonstrar minhas emoções negativas. Quando vinham comprar botões ficha (de jogar) ou tachinhas de sapateiro, entrava em desespero, pela lerdeza na escolha.
Por fim resolvi pelo direito; mas, para satisfação do meu pai, prestei vestibular de economia na Unisinos. O curso de direito só na UFRGS ou PUC; tentei na Pontifícia, pois na federal o latim era matéria obrigatória no vestibular. Logrei aprovação e lá fui para Porto Alegre, morar na Pensão Seleta da rua da Praia e trabalhar no Sulbanco da Barros Cassal. O curso de direito era noturno, no Colégio Rosário.
Foi um tempo de muitas e longas caminhadas; vez por outra uma carona no bonde, até a chegada do trocador. Em 1966, o curso ginasial noturno estava a perigo por falta de professor de inglês. O Irmão diretor lembrou de mim e comecei a lecionar no São João, viajando diariamente a Porto Alegre. Em 1968 comecei a trabalhar com o Dr. Schüler e a lidar com as coisas do direito.
Assim fui até 1982, não sem antes eleger-me vereador por duas legislaturas (1972 e 1976); Em março de 1982 fui aprovado no concurso de Promotor de Justiça; em abril comecei as atividades nas Promotorias de General Câmara e Triunfo. Foi no Ministério Público, mais especificamente na Promotoria da Infância e da Juventude que me senti totalmente realizado.
Depois de jubilado, prestei assessoria jurídica para Câmaras de Vereadores, até o ano de 2020, quando cheguei aos 75 anos de idade. Ajudei a escrever livros e escrevi o meu próprio, ainda não editado. Pesquiso a história de Montenegro e escrevo colunas, insertas no Jornal O Progresso.
A vida rodou/ a ciranda e o destino/ nos dias e noites a girar / traduzem a certeza/ da realização profissional. Sigo a caminhada/ recordando e escrevendo/ um tempo passado/ jamais voltará/ apenas na imaginação. Lá vai a ciranda/ do constante recordar/ aos devaneios de outros/ recordações possam despertar.