Se às vezes eu disser que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam
Não é porque eu julgue que há sorriso nas flores
E cantos no correr dos rios.
É porque assim faço, mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.
(Fernando Pessoa)
Os dias correm e a nostalgia remonta ao encontro das águas de um rio … Sem nome! Tão somente águas a correr que um dia envolveram meu corpo, no seu frescor, amainando as agruras do calor de uma tarde ensolarada. Águas que nascem como um fio líquido cristalino do alto da montanha a alcançar a planície, encorpado por tantos afluentes a nele desaguar.
A embarcação vem subindo, singrando as águas já turvas por tanto correr; pessoas se acomodam, observando as margens e o amplo descortinar da paisagem. Experimentam as curvas do rio e ao longe enxergam um monte; para nós outros um morro, para eles um monte. Parece-lhes muito escuro, chegando ao negro, por sua conformação rochosa e abundante vegetação.
Confabulam, trocam ideias … São pioneiros e os acidentes geográficos merecem ser nominados, a servir de orientação aos futuros navegantes se achegarem. Nomes são sugeridos; uns agradam, outros não. Seguem navegando e alguém exclama: O monte é negro; simples assertiva, quase como a expressão de um sonolento, ao acordar e avistar a elevação.
Remoto lugar, distante ao largo; no manancial o contorno do morro transparece … O reflexo da elevação, aos olhos dos navegantes, o verde escuro fixa nítido, por sua milenar presença, emoldurando as águas de um rio a correr. Lá do alto da serra, o fio límpido em água corrente, venceu distâncias, abriu fendas na dura terra e se amoldou à paisagem daquele monte negro.
Do convés alguém gritou! Negro será o nome do Monte e nas terras ao seu entorno um novo tempo e um novo lugar nascerá. O barco seguiu navegando a um lugar alhures, onde os navegantes desembarcaram, em busca de um novo lugar … De uma nova morada, a chamar de LAR.
Assim como nossos primitivos povoadores, um dia aqui chegamos, por deixarmos a bolsa e cavidade uterina, então envoltos no fluído líquido amniótico; ou por algum meio de transporte que nos deixou à porta de uma nova morada. Alcançamos a terra do Monte Negro, mas rodeados por outros outeiros, por cuja paisagem nossos olhos enxergam a cada dia.
Quem somos nesse contexto, a recepcionar pessoas por nascimento ou por adoção? Simplesmente os que continuam a obra de Mascarenhas e Quibedes; daqueles que cultivaram a terra do grande Faxinal, que aos índios serviu como primeira morada e fonte de produção. Somos os que deram continuidade aos administradores da Vila de São João do Monte Negro, abrindo ruas, pavimentando-as, iluminando os passeios e o transitar de pessoas e carros. Somos o futuro daqueles que assim diziam, no tempo de antigamente, olhando-nos crianças, a desfilar garbosas nas paradas de 7 de Setembro.
Somos como a água do rio, desde o nascimento até o encontro final com a imensidão do mar. Corremos e passamos. Por certo, a comparação é figura de retórica; podemos parar e refletir, mesmo que o tempo continue correndo. Ainda nos é dado a condição de consertar os erros de rumo, deixados pelo caminho.
O Natal está por chegar; a cidade se enfeita, as árvores ganham vida e cantores alegram os dias finais do advento. No nosso seguir, a cada ano, a esperança de melhores dias, em seu amplo sentido, ganha data especial. No simbolismo de renovar o nascimento de CRISTO, numa simples manjedoura, dois milênios passados, serve de bálsamo as agruras passadas, reforçando a confiança em melhores dias. A TODOS UM BOM NATAL!