Todos são iguais perante a Lei! Que frase bonita. E seria ainda mais bonita se fosse verdadeira.
Estamos em Jardim, no Mato Grosso do Sul. Véspera de Natal, com muito calor, mitigado por araras e bonomia no ar, entre pessoas muito gentis. Pra quebrar um pouco o clima, estou acometido por uma crise renal. Uma ecografia revelou que carrego no rim esquerdo uma pedra com 13 milímetros de diâmetro. Tinha companhia ou ter-se-á partido para brincar comigo? Recorro a um médico amigo e peço que me ajude a empurrar a crise com a barriga. Preciso postergar a solução por três dias, até nosso retorno. Em seis horas mais um comprimido e bola pra frente.
Mas a dor que senti e sua provável causa provocaram algumas reflexões. Uma pedra. Capaz de derrubar qualquer um. Há uma pedra no caminho, como tantas que existem no Brasil de hoje. Nesta região a ameaça de invasões de terra e a patética insegurança quanto ao marco temporal colocam em risco o agronegócio e os investimentos se encontram postergados, inclusive com distrato de venda de terras.
Quem trafega por esta região cruza com caminhões transportando colheitadeiras enormes, de alto valor. Quem se arrisca a adquirir novos equipamentos diante da ameaça de perder suas terras para indígenas? Ou para invasores ideologizados?
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Já escrevi algures que um filho de Montenegro, Thompson Flores, comandou a máxima corte do país na década de setenta (https://portal.stf.jus.br/ministro/presidente.asp?periodo=stf&id=3). Quem sabia disto? Nem a imprensa de sua terra. A discrição era a regra e o Jornal O Progresso só o descobriu porque uma das funcionárias do tribunal veio à cidade para conhecer o chão que vira nascer seu chefe. Bem diferente de hoje, quando um nomeado promove festa de arromba, com cantoria em palco e muito exibicionismo.
Crescemos escutando sobre o princípio da impessoalidade na administração pública e agora nos entristecemos com as escolhas de um advogado amigo, de um advogado partidário, de um advogado que defendeu quem o nomeou e de um ministro que deixa sua pasta para assumir cadeira tão elevada. Ora, como dormir em paz quando o princípio que visa impedir atos e decisões por represália, por favorecimento e nepotismo é simplesmente pisoteado?
O que pensar de tais coisas? Que há um enorme descolamento da realidade por parte dos que se apropriaram do Estado. Mandam e desmandam, fazem e acontecem, como no faroeste: é a lei do mais forte, contrariando o que a civilização demorou tanto a construir. Onde chegaremos debaixo do programa desta orquestra dominada por corporativismos? Não sei, mas nunca esqueci de uma visita ao castelo de Chambord. A distância entre o portão de entrada e a edificação não era pequena. Com campos e matas, nos quais o rei de plantão passeava e caçava, cercado por acólitos.
A sensação que tive foi de enorme fragilidade de um absolutista. Saí de lá impressionado pela descoberta, o que mitigou a frustração de visitar um castelo depenado pela turba na revolução francesa. Os donos do poder parecem desconhecer sua fragilidade. Cometem este erro, tornam a repeti-lo e abusam de suas prerrogativas, esquecendo por inteiro, entre vantagens e desmandos, a quem deveriam servir por ofício.
Enquanto a pedra me força a tomar comprimidos, lembro que tenho observado muito desânimo entre os que desejam um país melhor, com menos demagogia e corrupção. Os tantos, que são maioria, que desejam um país livre do discurso da cizânia, do protagonismo das minorias e de decisões que nada têm de democráticas. Vivo um momento que resgata Drumond: “Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas”.
Pois esta gente que se arroga o direito de decidir sobre o que não lhe compete, que se acha acima do bem e do mal, que se cobre como os deuses no Olimpo, precisa de um choque de realidade. É preciso que o povo fure a bolha em que esta gente vive, dentro da qual se consideram ilustrados, doutos, sábios e merecedores de privilégios pelo tanto que fazem.
Quando vejo as flagrantes injustiças, escancaradas diante de nossos olhos, verdadeiros deboches de nossa inteligência, lembro dos humildes. Sem os quais estaríamos em maus lençóis. Os homens do campo, os motoristas, os lixeiros. Por que raios um encastelado se considera mais útil que um lixeiro?
Como começar a dissipar o absurdo em que chegamos, com privilégios indecentes legalizados? Não apregoo a solução sangrenta, o fratricídio, se é que somos irmãos. Minha proposta é pacífica: previdência única.
Chega de regimes especiais para as corporações, com aposentadorias precoces, vantagens e polpudas pensões. Não ignoro que os privilegiados têm sustentação de seus privilégios sempre em riste: recolhi mensalmente sobre isto, a profissão é de risco, sou concursado, estudei muito para chegar onde cheguei e aí por diante.
De minha parte, os lixeiros, pendurados na traseira de caminhões, sem segurança alguma, correndo pelas ruas sob sol e chuva, prestam um serviço muito superior ao destes arrogantes que infelicitam a nação, que a traem enquanto fazem de conta que a defendem.
Vamos e venhamos: é asqueroso o que temos assistido.
Não creio que uma sociedade possa ser democrática se não for fraterna. A previdência única é um tiro na têmpora da desigualdade. Além disto, dará relevo à vocação, por vezes mitigada ou morta por interesses pecuniários e vantagens futuras. A previdência única não resolve tudo, mas remove uma pedra no meio do caminho. Porque no meio do caminho há uma pedra.
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Aproveito o final do ano para retomar leituras, como a biografia de D.Pedro II, de José Murilo de Carvalho. Segundo o Imperador, reconhecido por sua seriedade no trato das coisas públicas, “despesa inútil é furto à Nação”.
Segundo o biógrafo, D.Pedro II impacientava-se com a morosidade da burocracia, a ineficiência do Parlamento e com a corrupção do Judiciário. Sobre este tema, disse a Sinimbu, presidente do Conselho de Ministros: “A primeira necessidade da magistratura é a responsabilidade eficaz, e que enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguiria esse fim”.