Desde meados do verão, jamais
Nos encontramos em clareira ou prado,
Nem em florestas, nem mesmo nas fontes,
Nem nos riachos, nem à beira-mar,
Para dançar cachos ao vento sibilante
Transcrição de uma das falas da peça “SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO”, escrita por William Shakespeare, encenada, pela primeira vez, no casamento de Sir Thomas Berkeley e Elizabeth Carei, em fevereiro de 1596.
Este verso despertou, em mim, a nostalgia dos amores de antigamente. Por vezes, encontros fugazes, tendo por palco lugares como os retratados neste ato da composição literária. Quantas e quantas vezes a Colina Schenkel, abrigou idílios românticos e juras de amor?
Hoje, o lugar está povoado de casas e o verde deu lugar aos tijolos e argamassa. Evidente que tudo aconteceu com o crescimento da cidade. As crianças e jovens de antigamente, ainda entre nós, são idosos a alimentar as lembranças do tempo em que a cidade era mais verde e romântica.
Saia acima do joelho, blusa amarela – ou de outros matizes – a enfeitar a moça dos cabelos cacheados, embelezando as ruas da cidade com o seu andar musical. Quantas foram, não lembro. Cabelos ondulados ao natural, ou fruto do trabalho de uma eficiente encrespadeira.
Já adolescente, podia entrar nas sessões noturnas dos cinemas e dançar nos bailes em nossos clubes sociais. Uma flor na idade; uma beleza emoldurando belo corpo, bem torneado, atraindo os olhares enciumados. Seus cabelos cacheados dançavam ao sabor do vento, em seu passar.
O tempo passou; a moça desenvolveu e amadureceu. De repente, encontra o amor de sua vida. O casamento estabeleceu um mútuo viver, frutificado pela chegada dos filhos. Muitas das moças contemporâneas seguiram por outros rumos; encontraram novas fontes, diferentes plagas, praias e mares, a desfilar os lindos cabelos ondulados ao sabor de outros ventos.
Das que partiram – e não foram poucas – restou a saudade e a lembrança. Ao vivenciar as amigas de antanho, inicia-se uma viagem emocional aos cinemas, salões de baile e boates dos clubes da cidade. Sentar lado a lado nas matinés, assistir ao filme de mãos dadas e sorrateiramente buscar um beijo.
A troca de olhares a anunciar o despertar de uma emoção; o convite à moça para dançar, encostar os rostos ao sabor da música e os movimentos do corpo. Tudo era meticuloso, com descobertas paulatinas e vagarosas.
Crepúsculo, espaço de tempo ao falecer do dia, anunciando a chegada do escuro da noite. Na vida, a aurora e o crepúsculo de cada um é determinante e inerente à falibilidade da nossa natureza humana.
Que possamos continuar seguindo, recordando e vivenciando os efeitos imaginários do estreito mundo romântico do nosso existir. Que o tempo nunca seja breve por impossível recomeçar.
Triste a constatação da verdade atual, pela agressão a natureza. O vento deixou de ser sibilante, para dar ares ao dançar dos cachos. A natureza agredida retribui e o vento mostra a sua força, vencendo resistências seculares, dando vazão ao infortúnio, imposto ao ambiente natural a nos acolher.
OS CACHOS JÁ NÃO DANÇAM MAIS AO VENTO SIBILANTE.