O encontro tinha miolo, mas fachada nem por isso. Orar foi a grande recomendação e exemplo de Jesus, e isso fez parte do miolo, mas a experiência de rezar o terço só com três orantes deixa um pouco em baixo. Se fossem vinte ou trinta. Enfim, pouco efeito, sem vanglória. Seguir a Cristo e evangelizar teria que dar mais nas vistas? A JMJ do ano passado deu. Um raio de luz quaresmal pede a revisão deste pensar. Vem da oração de Jesus debaixo das oliveiras que ainda lá estão há dois mil anos a lembrar que Jesus orou ali, sozinho! Que pensar da aparente pobreza de efeitos? Afinal, a oração de nós três, ali à frente do sacrário, e a dos três apóstolos de Jesus na sua oração ao Pai não será tão diferente nem desanimadora. Nem tão pouco os desanimou a experiência dos três apóstolos convidados por Jesus a subir ao Monte para o inaudito e indizível espetáculo da transfiguração.
Quase um desperdício de sensação não convidar os doze e a multidão que comeu dos cinco pães e dois peixes na outra montanha. Contudo, este número de três no Tabor dizia que mesmo só dois ou três a rezar o terço não era oração perdida. Uma multidão a admirar e a aplaudir seria mais agradável, mas poderia levar à ilusão de que só assim é que a Igreja poderia levar o Evangelho e o Reino de Deus a todas as nações. E não iriam os jovens e idosos pensar que se não é assim, esta Igreja irá mal e não vale a pena? Também nos métodos de evangelização se vai experimentando uma certa bipolarização de ostentação grandiosa de multidões bem dispostas e triunfantes; e cenários sombrios de não ser bom rezar só e cair em acídia depressiva ou certa preguiça espiritual. Teresa de Ávila é doutro parecer: “Nada te perturbe, nada te espante, tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança; Quem a Deus tem, nada lhe falta: Só Deus basta”. Dois bastam?
Que nos dizem a quaresma e as tentações de Jesus no deserto? Vêm dar têmpera à reflexão sobre a bipolarização psicológica e espiritual tão falada nas estatísticas da saúde mental. Será doença ou cultura? Quando o estratega demoníaco se encontra no deserto com o Vencedor de todas a tentações mentirosas para o desafiar que assim, cheio de fome, não vai conseguir efeitos de multidão; num abrir e fechar de olhos, sugeriu que poderia conseguir sucesso estrondoso e muitos seguidores. Mas teria que se deixar dessa solidão miserável do deserto sem pão, fama e dinheiro-poder durante quarenta dias. É uma tristeza não ter pão! Quem é que o vai querer seguir para passar fome? Não tarda que desfalece e lá se vão os seus planos de fazer um mundo sedutor para todas as nações. Tem que aceitar métodos mais eficazes ou põe tudo a perder. E se não quer recorrer ao pão feito de pedras com o seu grande poder, e criar o “conceito” espantoso de pão de pedras que nem os cientistas em mil anos conseguem. Seria uma proeza que iria dar muito que falar. Recusaste.
Vou dar uma ajuda para conseguir mais clamor, que dê mais fama e reúna muitos à volta. E o chefe Satanás, logo se ofereceu para levar o Penitente faminto a Sião, ao alto do pináculo do templo. E sussurra-lhe: vais ver a multidão a espantar-se com a maravilha que te vai acontecer. Deitas-te daqui abaixo e logo a multidão ululante aclamará o voo espetacular. Serás um herói e se for preciso os anjos de Deus seguram-te no voo. E vão chover os convites para banquetes sumptuosos em que podes saciar a tua fome e fazer discursos. Vais ter muitos seguidores. Às palavras de Jesus: “não tentarás o Senhor teu Deus”, o chefe do circo diabólico contorceu-se de raiva, mas manteve a teima.
Cá por baixo, no coração, o meu pensamento parou ao ouvir a melodia: “Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor” (Salmo 39). Alto lá! As frustrações levam à tristeza e depressão; aliciam a confiar em grandes balões de vento e em mentiras vistosas sopradas por satanases corruptos que andam pelo mundo para perder os homens e as mulheres. Quando as coisas correm mal; quando as crianças e os jovens correm atrás de balões e deixam Jesus a dizer: deixai vir a mim os pequenos; a melodia continua sem parar. O Tentador não desiste e recorre à grande mentira que ele é Deus. E Jesus continua por todo o tempo a exclamar: «procurai em primeiro lugar o Reino de Deus e tudo o mais vos será dado por acréscimo».
Faltava o golpe de magia tenebrosa. Para vencer Jesus, coriscou Belzebu, era preciso desligar Jesus da sua vassalagem ao Senhor. Dito e feito. Tentou seduzir a mente de Jesus para ele se auto libertar do seu Pai, Senhor do Céu e da Terra, e se tornar vassalo do Demónio. Levou-o a um monte muito alto. E ali disse a maior mentira do mundo: tudo o que tu vês à tua volta até ao cabo do mundo é meu. Não é de mais ninguém. Dou a quem eu quiser, faço ricos, os que têm ansias de ser os mais ricos do seu grupo ou até do mundo inteiro. Ninguém precisará de ser vassalo de Deus A minha proposta de negócio é esta: tudo isto te dou se, agora, de joelhos, me adorares. Só um pormenor: ficas obrigado a render-me vassalagem, acabam as tuas obrigações para com Deus. Jesus estava perante a maior escolha que o homem pode fazer. Ou o Senhor Deus ou eu o Demónio! E uma voz decidida, com a força de um trovão, se ouviu: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele servirás» (Mt. 4,10). E desapareceu por um tempo. E hoje, quem tenta mais?
Funchal, 1º domingo da Quaresma