Conceição Evaristo é uma escritora mineira de Belo Horizonte, nasceu em novembro de 1946 em uma favela e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1973. Fez graduação em Letras, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado em Literatura Brasileira, na PUC Rio, e doutorado em Literatura Comparada, na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Sua origem literata vem da pobreza e da etnia negra, o que se observa em seus textos carregados da experiência da opressão e da marginalidade, e calcados na valorização da memória ancestral de seu avô Vicêncio. Suas primeiras publicações acontecem na série Cadernos negros, a partir de 1978, e mais adiante, sua narrativas inicial, “Ponciá Vicêncio”, foi editada em 2003. Esta sua obra é considerada pelos críticos como o seu mais importante romance. Atualmente, Conceição Evaristo é um grande nome da literatura negra atual.
Em 2016, ganhou o Prêmio Faz Diferença, na categoria prosa, do jornal O Globo. Já em 2018, ganhou o Prêmio de Literatura do Governo de Minas Gerais, pelo conjunto da obra. Em 2019, ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria Personalidade Literária do Ano.
Principais obras de Conceição Evaristo; até o momento, a autora publicou, além de inúmeros textos acadêmicos, as seguintes obras literárias: “Ponciá Vicêncio” (2003), romance; “Becos da memória” (2006), romance; “Poemas de recordação e outros movimentos” (2008), poesia; “Insubmissas lágrimas de mulheres” (2011), contos; “Olhos d’água (2014), contos; “Histórias de leves enganos e parecenças (2016), contos e novela; “Canção para ninar menino grande (2018), romance.
Como sabemos, sua obra mais famosa é “Ponciá Vicêncio”. Nesse romance, a protagonista Ponciá Vicêncio vai para a cidade grande em busca de uma vida melhor, e acaba afastando-se de sua mãe e de seu irmão, de sua família, de sua origem. Nesse livro, é colocada em foco a questão da ancestralidade e da memória, vista como impressa em Ponciá desde o nascimento, segunda seus próximos. Essa sua semelhança com o avô é tomada como algo místico pela sua mãe.
Contudo, nada mais é do que a marca de ancestralidade metaforicamente manifesta. A menina é Ponciá, mas também é ele, Vô Vicêncio, a sua história e a história dos que vieram antes dele. Herança não só genética e cultural, mas também é legado da opressão histórica sofrida. Ponciá possui o talento de trabalhar o barro, fazer esculturas, como seu avô. Essa reprodução em barro de Vô Vicêncio assustou a mãe de Ponciá: “Ela era tão pequena, tão de colo ainda quando o homem fez a passagem. Como, então, Ponciá Vicêncio havia guardado todo o jeito dele na memória?”.
É a memória, fato inevitável, que parece acompanhar a protagonista desde o nascimento. Memória de opressão, impressa em seu sobrenome. Vô Vicêncio nasceu escravo, alguns de seus filhos tinham nascido depois da Lei do Ventre Livre, mas, ainda assim, foram vendidos. Desesperado, Vô Vicêncio então matou a esposa e tentou matar-se, decepou a própria mão com uma foice. A tentativa de suicídio de Vô Vicêncio foi mal sucedida, mas ele ficou cotó, herança mística de Ponciá, lembrança do desespero diante da falta de liberdade. A protagonista também não demonstra um espírito passivo. Em criança, Ponciá Vicêncio começou a aprender a ler com padres missionários.
Quando eles foram embora, ela continuou a estudar e conseguiu aprender a ler sozinha; já adulta, ela migra em busca de uma vida melhor. Na capital, longe dos seus, a mulher Ponciá passa a desenvolver certa melancolia, resultado da perda de sua identidade e da desilusão diante da dura realidade, capaz de matar até mesmo os sonhos:
“De manhã, ela parecia mais acabrunhada ainda, perdera sua identidade e passou a chamar-se de ‘nada’. Assim, irmã e irmão, cada um com o seu sonho, vivem em um contexto de opressão e injustiças iniciado bem antes do nascimento de Ponciá, na época da escravidão impressa em seu sobrenome: Vicêncio”.
Analisando o que a autora nos propôs em seu texto, podemos pensar em uma composição de sofrimento, trabalho e bagagem metafórico de seu passado. Passamos, agora, a algumas poesias da escritora Conceição Evaristo. Primeira: “Vozes-mulheres”. “A voz de minha bisavó / ecoou criança / nos porões do navio. / ecoou lamentos / de uma infância perdida. / A voz de minha avó / ecoou obediência / aos brancos-donos de tudo. / A voz de minha mãe / ecoou baixinho revolta / no fundo das cozinhas alheias / debaixo das trouxas / roupagens sujas dos brancos / pelo caminho empoeirado / rumo à favela. / A minha voz ainda / ecoa versos perplexos / com rimas de sangue / e fome. / A voz de minha filha / recolhe todas as nossas vozes / recolhe em si / as vozes mudas caladas / engasgadas nas gargantas. / A voz de minha filha / recolhe em si / a fala e o ato. / O ontem – o hoje – o agora. / Na voz de minha filha / se fará ouvir a ressonância / o eco da vida-liberdade.”
A composição, que é uma das mais belas e famosas da autora, fala sobre mulheres de várias gerações que pertencem à mesma família; descrevendo suas atividades cotidianos e suas emoções, a protagonista vai narrando uma história de sofrimento e opressão. A bisavó simboliza, assim, aquelas criaturas que foram sequestradas e trazidas para o Brasil em navios; já a avó teria vivido no período da escravidão e da obediência forçada.
Quanto à geração da mãe, que trabalha como empregada doméstica, leva uma existência dura e marginalizada, mas começa a ecoar alguma revolta e esse sentimento de resistência se exprime com os relatos de privação e violência.
Finalmente, o futuro reserva mudanças e a voz de sua filha que carrega toda essa herança, e a qual escreverá uma nova história de liberdade. // Segunda poesia: “Da calma e do silêncio”. “Quando eu morder / a palavra, / por favor, / não me apressem, / quero mascar, / rasgar entre os dentes, / a pele, os ossos, o tutano / do verbo, / para assim versejar / o âmago das coisas. / Quando meu olhar / se perder no nada, / por favor, / não me despertem, / quero reter, / no adentro da íris, / a menor sombra, / do ínfimo movimento. / Quando meus pés / abrandarem na marcha, / por favor, não me forcem. / Caminhar para quê? / Deixem-me quedar, / deixem-me quieta, / na aparente inércia. / Nem todo viandante / anda estradas, / há mundos submersos, / que só o silêncio / da poesia penetra.”
Absolutamente poético! Tratando-se de uma espécie de “arte poética” de Conceição Evaristo, o poema reflete exatamente sobre o ato e o momento da escrita. Aqui, a poesia é associada à sensibilidade, à apreciação, principalmente ao paladar, com expressões como “morder” e “mascar”.
Escrever é, então, encarado como algo que devemos saborear com tempo e sem pressas, um processo longo através do qual se acha o “âmago das coisas”. Por isso, pedimos para não ser perturbado aquele que está calado ou parece distante. É que, na verdade, seu olhar está buscando inspiração e sua mente está criando. Mesmo se estiver parada, a personagem não quer que os outros a forcem a caminhar. Na sua experiência, a poesia nasce “da calma e do silêncio”, conseguindo acessar um mundo interior que não existiria de outra forma.
Finalizando: assim, nos textos da escritora, estão presentes os marginalizados, negros e / ou pobres, mulheres, que muito têm a ver com a história de sua vida. Não são textos propriamente autobiográficos, mas resultado de uma experiência de exclusão, da observação de uma realidade brasileira que a escritora transpõe para nós todos e para seus intérpretes.