Instalado na gávea, o sentinela não tem o direito de ignorar em plena luz do dia a aproximação de um perigo qualquer ou de outra embarcação. Não tem como falhar, a menos que durma, não verifique com regularidade os trezentos e sessenta graus, tape os olhos ou fique cego. Por certo que uma densa neblina ou a escuridão das noites de lua nova podem traí-lo, mas em condições normais isto não pode acontecer.
A vigilância da sociedade não é muito diferente. Por isto estranho e mesmo critico a perplexidade que uns e outros revelam ao se darem conta do que tem acontecido à nossa volta, com o avanço de pautas contrárias à vida e à família. O fato de tal decadência não se ater às nossa fronteiras não apazigua meus dias. Antes os acicata, porque era ainda mais fácil auscultar e combater um movimento vivo em todos os quadrantes da Terra. Coisas orquestradas, portanto. Com vários instrumentos e uma regência, ainda que não saibamos o nome da orquestra, nem do maestro.
Quem eram os atalaias na gávea? Os intelectuais? A imprensa? Calaram? E se gritaram o perigo de abalroamento a bombordo, a ponta dos recifes a estibordo, o iceberg na direção da proa, o que fez quem os ouviu? O certo é que o barco está naufragando e os escaleres já descem. Em meio à perplexidade, atônitos perguntam uns aos outros “e agora?”.
O capitão do navio tomou a decisão correta? O timoneiro reagiu a tempo? A sala de máquinas cumpriu seu papel? Mas quem são o capitão e o timoneiro num país? E no mundo? Os religiosos? Os chefes de família? Os políticos? Os juízes? Os militares? Enquanto não tivermos a resposta continuaremos no cardápio dos tubarões, que farejam naufrágios.
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Quando o ministério da saúde brasileiro defende o aborto, quando uma nota técnica informa que o feto não sente dor, todos os alarmes falharam. Ou tapamos os ouvidos? Já passou da hora de a sociedade reagir a plenos pulmões. Quando pautas como novilíngua, identidade de gênero e tolices extremas na linha do politicamente correto dominam o horizonte, é preciso tirar o traseiro da cadeira e travar o bom combate.
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No livro “Tolos, fraudes e incompetentes”, Roger Scruton discorre sobre a ginástica mental para “ocultar a profunda similaridade entre comunismo e fascismo, tanto na teoria quanto na prática, e seu comum antagonismo às formas parlamentares e constitucionais de governo”. Ambos assumem o controle dos meios de comunicação e educação e laboram pelo controle da economia e pela eliminação da oposição.
No capítulo voltado a Gramsci, Scruton discorre sobre a infiltração sistemática da política comunista que é viabilizada “não como movimento revolucionário vindo de baixo, mas como substituição constante da hegemonia dominante – uma longa marcha através das instituições, como seria descrita mais tarde. A superestrutura é gradualmente transformada, chegando ao ponto em que uma nova ordem social, cuja emergência estava bloqueada pela antiga hegemonia, é capaz de emergir por conta própria. Esse processo, chamado de “revolução passiva” pode ser realizado somente pela conjunção de duas forças: a exercida de cima pelos intelectuais comunistas, que regularmente substituem a hegemonia da burguesia, e a exercida de baixo pelas “massas”, que contêm em si as sementes da nova ordem social que cresce a partir de seu trabalho”.
A sociedade foi cozida em fogo baixo, passiva, como sapos que não pulam da panela. E agora, cruzaremos os braços? A par das injustiças de uma sociedade baseada em lucro e especulação, quem deseja o outro extremo, o da falta de liberdade que caminha a passos largos?