A física de Newton trouxe para a ciência a ideia do determinismo, com seus três postulados: da inércia, da dinâmica e de ação e reação. E o ser humano está submetido ao determinismo, postulou a teoria de Darwin, que diz que nossas ações estão determinadas por nossos genes…
Mais ou menos assim começou uma das muitas oficinas que assisti no Taller Filosofal do Ariel Gibramsalt, em que ele, partindo da dicotomia determinismo/livre arbítrio, foi se debruçar sobre F. Nietzsche.
– Em Nietzsche você encontra tudo o que quiser, tanto para afirmar como negar, além do bem e do mal.
Na Gaia Ciência ele deixou claro:
Agudo e suave, grosso e fino,
Familiar e estranho, imundo e limpo,
Ponto de encontro de idiotas e sábios:
Tudo isso sou e quero ser,
Pomba, serpente e porco ao mesmo tempo!
(Sobre a apropriação da sua obra pelos protonazistas o pensador dionisíaco escreveu:
Não existe na Alemanha corja mais insolente e estúpida que esses antisemitas. Essa ralé ousa levar à boca o nome Zaratustra! Nojo!Nojo!Nojo!)
– Nietzsche mesmo se definiu como „o primeiro psicólogo“, e muitas ideias novas contidas nos seus aforismos foram confirmadas pelas investigações das décadas subsequentes. O Zaratustra de Also sprach Zarathustra, seu livro mais famoso, é um educador, e quer nos ensinar uma nova maneira de viver. Mas ele não quer seguidores:
Gostas do meu jeito e da minha língua,
Me segues, vens atrás de mim?
Segue apenas a ti mesmo fielmente: –
Assim me seguirás – sem pressa! sem pressa!
O debate sobre determinismo e livre-arbítrio sempre teve como escopo a compreensão da realidade de toda a existência, e da verdadeira natureza do ser humano. Kant no século XVIII postulou que a razão pode apenas aproximar-se da verdade, mas nunca alcançá-la: a coisa em si (Ding an sich) permanece sempre inacessível.
O que é a verdade? Um exército movediço de metáforas, metonímias, antropomorfismos (…): as verdades são ilusões, cuja natureza enganadora foi esquecida, metáforas gastas e sem força…
Contra o Positivismo, que apregoa existirem somente fatos, eu diria: não, justamente fatos não existem, apenas interpretações. Não podemos constatar nenhum fato „em si“: talvez seja até uma tolice, querer algo semelhante.
O mundo não é assim e assim, e os seres vivos o veem como ele lhes aparece. Em vez disso: o mundo é feito desses seres vivos, e para cada um deles existe uma pequena fresta, pela qual ele mede, toma consciência, vê e não vê. Não existe uma „essência“: o „vir a ser“, „fenomenal“ é a única forma de ser.
Que cada um busque em si mesmo e nesta vida, nesta terra, o sentido da existência. Imanência em lugar de transcendência.
Onde estiveres, aí bem fundo deves cavar!
A fonte está lá embaixo!
Deixa o homem escuro gritar:
„Sempre é inferno, lá embaixo!“.
– Nietzsche é um artista, um malabarista das palavras, nisso consiste sua maior força – opina A. Gibramsalt. Com seu discurso afiado ele questionou o conhecimento científico, desconstruiu a filosofia idealista e glorificou a arte:
A arte vale mais do que a verdade. Ela não serve para físicos e filósofos.
Nós temos a arte, para não soçobrarmos na verdade.
O saber absoluto conduz ao pessimismo: a arte é o remédio contra isso.
– Segundo Nietzsche, um artista abomina toda realidade, seu olhar sempre desvia dela, vai para trás, com a séria convicção de que o valor de qualquer coisa está naquele resto imponderável que se consegue de cores, formas, sons, pensamentos… Ele crê no seguinte: quanto mais sutilizada, dissolvida, fugaz uma coisa ou uma pessoa for, tanto mais aumenta seu valor. Ou seja, quanto menos real, tanto maior valor.
É assim o Platonismo, porém encerra uma audácia a mais, uma virada do avesso: ele mede o grau de realidade segundo o grau de valor e diz: quanto mais Ideia, tanto mais Ser. Ele vira do avesso o conceito de realidade e diz: „o que vocês tomam como real e verdadeiro, é um erro, e quanto mais nos aproximamos da Ideia, mais perto chegamos da Verdade.
– Dá pra entender isso? Este foi o maior dos rebatismos, e por ter sido adotado pelo Cristianismo, não nos damos conta do tamanho da façanha. Platão, como artista que era, escolheu a aparência da coisa em lugar da coisa em si.
Ou seja, prefere a mentira e o poetizar em torno da Verdade, o irreal em lugar do existente.