Há muitos anos temos cães da raça pastor alemão. Sei que todo mundo acha que o seu cachorro é o melhor do mundo. Bem, não fujo à regra. Não elencaria as qualidades de um pastor alemão porque seria tão aborrecido quanto inútil. Não convenceria ninguém, sequer desejo isto e os interessados podem encontrar farto material na rede mundial.
O que gostaria de comentar é que as associações de criadores são, ou deveriam ser, rigorosas na classificação de pastores. Há inúmeros requisitos para que sejam admitidos para procriação, segundo critérios como sua morfologia, cor, dentição, dimensões e por aí vai. Além disto, são avaliados pelo temperamento e caráter e devem passar pela prova de tiro. Precisam demonstrar que não têm medo do estampido.
Diante do avanço da criminalidade no país, seu enfrentamento requer cada vez mais inteligência e coragem numa situação de guerrilha urbana mascarada, sem uma causa que não a do poder financeiro, pelo menos por enquanto. Policiais militares expõem a própria vida com enorme frequência e é preciso enaltecer sua bravura. Estão na linha de frente na defesa da sociedade e, não raro, queixam-se que muitos presos em delito são rapidamente liberados pela justiça, retornando às ruas para novos delitos. Ainda assim não desanimam, o que é ainda mais notável.
Anos atrás, conversando com um militar reformado das Forças Armadas, me disse que certas situações internas de intervenção seriam muito delicadas. Porque, afinal, seriam irmãos contra irmãos e muito sangue seria derramado. Até hoje esta conversa ecoa na minha cachola, afinal de contas o monopólio da força extrema não cabe ao cidadão e o recurso a ela, se necessário, faz parte do jogo. Fiquei mal impressionado, porquanto irmão implica, no meu dicionário, uma condição de reciprocidade. Abel não pode ficar à mercê de Caim.
A política de contemporizar em qualquer circunstância me parece um risco considerável de oportunizar a impunidade. A cena vista e revista de bandidos com metralhadoras no lado externo do muro de uma unidade militar naval no Rio de Janeiro concorre como curta-metragem ao prêmio de melhor desaforo às Forças Armadas.
Assim, de grão em grão a galinha do banditismo encheu o papo e desafia o poder maior, sem que se possa duvidar que possua equipamento pesado de combate, inclusive antiaéreo.
Ninguém duvida que nossas forças armadas possam ser bem avaliadas em quase todos os requisitos, mas para muitos há uma interrogação no ar. Como não nos envolvemos em guerra há décadas e a famigerada contemporização nos contamina, há o receio de que as forças armadas seriam animicamente reprovadas na prova de tiro. E percam a guerra antes mesmo de começar.
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Os inegáveis avanços da ciência, dos serviços e da indústria, ao invés de significarem para o homem a revelação da complexa beleza do universo, os têm seduzido a adorarem a técnica e o que entendem como científico. Aliás, o apelo à palavra ciência tem servido muitas vezes como recurso desonesto para cancelamento de opiniões contrárias. Basta erguer a batuta da ciência, que pode não passar de um enganador graveto, para que a grande maioria se poste genuflexa …
Com o progresso tecnológico que nos cerca e as tentações de entretenimento onipresentes, o homem se afasta da oração, da poesia, da contemplação, do recolhimento no deserto do silêncio e da saudável solidão, de vez em quando, para embarcar no trem do hedonismo. Não, não é exagero. O espírito de sacrifício foi golpeado de morte.
As mulheres sempre foram responsáveis pelo cultivo espiritual no lar, mas no geral isto também mudou. É bem conhecida a expressão segundo a qual as mulheres trocaram os templos, onde se ajoelhavam, pelas catedrais do consumo.
Como isto foi acontecendo, senão como repetição da primeva tentação, de desconhecer nossos limites e tentar sobrepujar o Criador?
Sei que Paulo VI proibiu Lefebvre até mesmo de ordenar sacerdotes, mas não se pode fechar os olhos para tudo que manifestou. Afinal, mesmo um relógio parado aponta a hora certa duas vezes ao dia. No livro “O golpe de mestre de Satanás” expressou sua visão: “No curso da História empregou (Satanás) todos os meios, dos quais um dos últimos e mais terríveis foi a apostasia oficial das sociedades civis. O laicismo dos Estados foi e será sempre um escândalo imenso para as almas dos cidadãos. E é por esse subterfúgio que conseguiu laicizar pouco a pouco e fazer perder a fé numerosos membros da Igreja, a tal ponto que esses falsos princípios de separação da Igreja e do Estado, da liberdade das religiões, do ateísmo político, da autoridade que toma sua origem dos indivíduos, terminaram por invadir os seminários, os presbitérios, os bispados e até o Concílio Vaticano II”.
Hoje sabemos que o Concílio não foi exatamente a “primavera da Igreja”. E Lefebvre já se foi.
Quanto a Satanás, que segue embuçado no relativismo, sua trágica armadura não é totalmente invisível porque muitos de seus seguidores se manifestam. Um deles, Albert Pike, deveria ser mais conhecido para alertar os incautos, que se deixam atrair como mariposas: “Lúcifer, o portador da Luz! Nome estranho e misterioso para dar ao Espírito das Trevas! Lúcifer, o Filho da Manhã! É ele quem carrega a Luz, e com seus esplendores intoleráveis, cega almas débeis, sensuais ou egoístas? Duvidar não é!“.
Isto sem falar em outras obscuridades, como Helena Blavatsky: “Assim Lúcifer — o espírito de Iluminação Intelectual e Liberdade de Pensamento – é metaforicamente o farol guia, que ajuda o homem a encontrar seu caminho através das rochas e da areia Pois Lúcifer é o Logos em seu mais alto“.
Ou Aleister Crowley: “Esta serpente, Satanás, não é o inimigo do Homem, seja Aquele que fez Deuses de nossa raça, conhecendo o Bem e o Mal; Ele disse ‘Conhece-te a ti mesmo!’ e ensinou a Iniciação”.
Quando eventualmente menciono que Lúcifer nunca descansou, com alguma frequência entrevejo um esgar no cantinho das bocas, como se não passasse de um tolinho a propagar crendices. Paciência. Prefiro ser alvo de chacota a não denunciar, entre os próximos, sua falsa invisibilidade.
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Ghada Karmi é pouco conhecida no Brasil. Nasceu na Palestina, em 1939, e em decorrência dos conflitos que explodiram à época da criação do Estado de Israel sua família exilou-se na Inglaterra, onde tornou-se médica e escritora nas horas vagas.
Estou a ler “Em busca de Fátima”, para compreender um pouco, pelo menos, a visão dos palestinos. A Palestina, libertada do jugo otomano, era controlada pelos britânicos e a imigração de judeus crescia a olhos vistos. Grupos como Haganah e Irgun promoviam ações para dissuadir os britânicos de permanecerem.
Fazendo-se passar por entregadores árabes, segundo Ghada, terroristas judeus explodiram uma ala do hotel King David. Os explosivos estavam em latas de leite escondidas no porão.
O hotel King David era a sede britânica na Palestina e o atentado vitimou quase cem pessoas, a maioria de árabes, alguns ingleses e poucos judeus. O ataque enfureceu os ingleses, que lançaram uma operação de caça aos terroristas. Outro atentado, desta feita ao clube dos oficiais britânicos, vitimou muitos súditos da rainha.
Num dado momento os ingleses sentenciaram à morte três terroristas, membros do Irgun, “por sua participação na invasão da prisão de segurança máxima do governo em Acre”. O Irgun sequestrou dois soldados britânicos e “ameaçou executá-los em retaliação”. Outros grupos tentaram dissuadir o Irgun, comandado por Menachem Begin, mas os militares “foram estrangulados e depois pendurados em árvores. Quando o exército veio para cortar as cordas e pegar os corpos, não perceberam que a área toda tinha sido minada pelo Irgun, que queria aumentar o número de baixas dos soldados ingleses. Um dos corpos explodiu bem no rosto do soldado que estava tentando baixá-los da árvore”.
Não há solução fácil para a região e a paz parece distante, ou mesmo pouco provável.
Avançada em anos, Ghada Karmi lançou em meados de 2023 o título “One State”, contrariando o plano e a reivindicação histórica de dois estados. Infelizmente o lançamento precedeu o monstruoso atentado de outubro daquele ano, levado a termo pelo Hamas.
Quem quiser conhecer um pouco o que pensa a autora palestina sobre o tema pode assistir uma de suas entrevistas, na qual discorre sobre seu mais recente livro: