Já registrei algures que tive a oportunidade de viajar duas vezes à Europa com meu pai. Eu seguia a trabalho e ele me acompanhava. Boas lembranças. Não se queixava de nada e sempre se oferecia para ajudar. Como fez em Milão, ao trocar seus sapatos, já surrados, pelos meus, novos, que haviam provocado bolhas em meus calcanhares. Seja porque seus pés eram ligeiramente menores que os meus, seja porque era menos sensível, meu par nada lhe causou. E meu alívio só seria maior se tivesse asas …
Na primeira viagem aterrissamos em Viena. Alugamos um carro e percorremos mais de três mil quilômetros. Atendi compromissos na Alemanha, cruzamos a Suíça e a deixamos pelo Vale d´Aosta. Fomos a Roma, às portas da Semana Santa. Foi há trinta anos. Imaginávamos que a Cidade Eterna estaria transpirando religiosidade e Cristo fosse lembrado em cada esquina.
Qual nada! Uma cidade pagã não pareceria diferente. Sorte a nossa de termos assistido a celebração do Domingo de Ramos na Praça de São Pedro, presidida por João Paulo II, hoje santo. Grande Papa. Inevitável ter saudade dele. Impossível não ter saudade de meu pai.
Deambulamos pelos principais pontos turísticos, do Coliseu ao Forum, da Piazza Navona à Fontana di Trevi, mas nada permaneceu mais intensamente que o Vaticano, cujo museu visitamos. Nos bastidores da Igreja travava-se uma batalha quase campal entre a linha de fidelidade ao Evangelho e a famigerada teologia da libertação, com sua implícita malícia, tentando incorporar o pensamento marxista no seio cristão. Faz tempo. E agora se vê com mais clareza o que aconteceu. Boiam no oceano de incertezas partes do naufrágio de algumas tendências, mas a Barca de Pedro segue seu caminho, por maiores as borrascas e apostasias.
Atribuída ao capitão do Titanic, a frase “Nem Deus afunda este navio” não tem registro histórico, mas traduz a arrogância e falta de transcendência. Hoje mesmo, pela manhã, uma apresentadora de noticiário televisivo, ao divulgar ações na área da saúde pública, disse acreditar na ciência. Ora, a ciência é ferramenta, não objeto de crença. Receio que aquela frase solta traduza um de nossos males, talvez o maior, diluído na sopa de problemas atuais, cujo caldo não exala um aroma exatamente agradável.
A sacrossanta razão! A infalível ciência! Estes cultos são os frutos podres da árvore do iluminismo. Por vezes o uso da palavra científico é pura malícia, porquanto científico equivaleria a verdadeiro. Porque deduz-se que a ciência produz verdade. Assumir esta premissa é esquecer, por exemplo, as talidomidas nossas de cada dia.
Há poucos dias, numa Missa dominical, um acólito, ao ler um versículo da Bíblia, referiu-se ao líder babilônio como Nabucodonosono. O empobrecimento cultural neste país é um escândalo. Tivesse quinze anos, riria. Mas tenho as mãos com sinais de envelhecimento, pintalgadas por manchas senis. Que nossa caçula, tempos atrás, interpretou como sujeira. Não objetei. Infelizmente não há sabão que remova o óleo do tempo. Estas marcas são lembretes. E é melhor não ignorá-las.
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Dizem que os imigrantes alemães, ao chegarem em seu novo país, logo tratavam de estabelecer uma escola. Os portugueses, uma venda. Os italianos, um templo. No Rio Grande do Sul, a Serra tem os descendentes de italianos como protagonistas. Hoje estive em Caxias do Sul, uma metrópole construída à base do Ora et Labora. Às portas da Sexta-Feira Santa, ao me despedir das pessoas que me atenderam em diferentes estabelecimentos, escutei protocolares até logo, até mais, bom final de semana, obrigado, …, mas nenhuma alusão à Páscoa.
Inevitável lembrar da péssima impressão que tivemos nas ruas laicas de Roma, para constatar que a indiferença religiosa, a diluição do cristianismo em seitas e o crescente paganismo chegaram também por aqui e dão o tom de nossa época.
Nem por isto Cristo desce da Cruz, que nos redime, se assim quisermos. Feliz e Santa Páscoa!