Carlos Drummond de Andrade viveu de 1902 a 1987, ele foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX; foi também cronista e contista, mas foi na poesia que mais se destacou, foi o poeta que melhor representou o espírito da Segunda Geração Modernista com uma poesia de questionamento em torno da existência humana. Esta nova linguagem moderna foi trazida pelos movimentos artísticos e literários europeus e pouco a pouco foi assimilada pelo contexto artístico brasileiro, mas sempre colocando em enfoque elementos da cultura do país, pois havia uma necessidade de valorização do que era nacional.
Ele nasceu em Itabira, interior de Minas Gerais, era filho de proprietários rurais, iniciou os estudos em sua cidade natal e em 1916, ingressou em um colégio interno e após, quando adoeceu, voltou a sua casa, onde passou a ter aulas particulares. Em 1918, Drummond foi estudar em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, também em colégio interno; de volta a Belo Horizonte, em 1921, começou a publicar artigos no Diário de Minas e em 1922, ganhou um prêmio de 50 mil réis, no Concurso da Novela Mineira, com o conto “Joaquim do Telhado”. Após, 1923, por insistência de sua família, Drummond matriculou-se no curso de Farmácia da Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte; em 1925 concluiu o curso, mas nunca exerceu a profissão; nesse mesmo ano, fundou A Revista, que se tornou um veículo de afirmação do Modernismo Mineiro.
Um pouco mais adiante, já em 1928, Drummond publicou o poema “No Meio do Caminho”, na Revista de Antropofagia de São Paulo, provocando um escândalo com a crítica da imprensa: diziam que aquilo não era poesia e sim uma provocação pela repetição do poema, como também pelo uso de “tinha uma pedra” em lugar de “havia uma pedra”: “No Meio do Caminho” // No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra. / Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas. / nunca me esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / no meio do caminho tinha uma pedra.”
Este poema “No Meio do Caminho” é uma das obras-primas de Drummond; os versos abordam os obstáculos – pedras – que as pessoas encontram na vida, como um “caminho”; essas pedras podem impedir a pessoa de seguir o seu percurso, ou seja, os problemas podem impedir de avançar na vida. Os versos “nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas” transmitem uma sensação de cansaço do autor e do acontecimento que ficará para sempre na memória do poeta.
Em 1930, dentro das diretrizes da Segunda Geração Modernista, Drummond publicou seu primeiro livro intitulado Alguma Poesia, no qual retrata a vida cotidiana, as paisagens, as lembranças, com certo pessimismo, deixando transparecer sua ironia e também seu humor; o autor abriu o livro com o “Poema de Sete Faces”, que mostra sua inquietação e originalidade, que veio a se tornar um de seus poemas mais conhecidos: “Poema de Sete Faces” // O homem atrás do bigode / É sério, simples e forte. / Quase não conversa. / Tem poucos, raros amigos / O homem atrás dos óculos e do bigode. / Meu Deus porque me abandonaste, / Se sabias que eu não era Deus / Se sabias que eu era fraco. / Mundo mundo vasto mundo, / se eu me chamasse Raimundo, / Seria uma rima, não seria uma solução. / Mundo mundo vasto mundo, / Mais vasto é meu coração. / Eu não devia dizer, / Mas essa lua / Mas esse conhaque / Botam a gente comovido como o diabo.” A seguir e ainda na mesma coletânea de obras, destacamos “Quadrilha”, o tipo de poema em que o amor, antes de ser descrito, é questionado e revela um sentido oculto, o amor como desencontro: “Quadrilha” // João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém. / João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, / Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, / Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha entrado na história.”
Em 1940, Drummond publicou “Sentimento do Mundo”, quando se coloca solidário com as pessoas em seus sofrimentos e em suas mortes; a destruição provocada pela guerra mundial o levou a expressar um desejo intenso de reconstruir o mundo; o poema que segue é um dos mais significativos da produção de Drummond: “Mundo Grande” // Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor. / Nele não cabe nem as minhas dores. / Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, Por isso me grito, / por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: / preciso de todos. (…)”
Em 1942, ano em que o Brasil entrou na Segunda Guerra, ele publicou o livro “José”, que inclui o poema do mesmo nome – outra de suas obras-primas – mostrando a figura anônima de um personagem que vive em um contexto burocrático e que se encontra perdido neste “vasto mundo”: “José” // E agora, José? / A festa acabou, / a luz apagou, / o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José? (…)”
Adiante, em 1945, Drummond publica o livro de poemas “A Rosa do Povo”, o qual condena a vida mecanizada e desumana de seus dias e espelha uma carência de um mundo certo pautado na justiça que venha substituir a falta de solidariedade de seu momento. Destacamos que esta poesia de caráter social assume nova dimensão e seus temas preferidos são a angústia dos seres escravos do progresso, o medo, o tédio e a solidão do homem moderno; trata-se de uma criação ao mesmo tempo como um misto de condenação e exaltação, porque existe a esperança de um mundo melhor: “A Rosa do Povo” // Uma flor nasce na rua! / Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. / Uma flor ainda desbotada / ilude a polícia, rompe o asfalto. / Façam completo silêncio, paralisem os negócios, / garanto que uma flor nasceu.”
Em 1946, Drummond foi premiado pelos críticos e analistas literários pelo conjunto de sua obra. Entre os anos de 1950, 1960, 1970 e 1980, a criação poética de Drummond segue duas vertentes, de um lado a poesia reflexiva, filosófica e metafísica, na qual aparecem com frequência os temas do tempo e da morte, e a produção inspiradora de um amplo destaque do universo da memória, quando são representados temas universais e temas que norteiam toda sua obra, como a infância, Itabira, o pai, a família; é o que se observa nas obras “Menino Antigo”, “As Impurezas do Branco”, “Amor Amores”, “Corpo”, “A Paixão Medida”, e outras.
Mais de vinte antologias poéticas permeiam a obra do autor, e suas prosas também destacam-se em cinco coletâneas. Já na carreira pública, salienta-se sua função de chefe do gabinete do Ministério da Educação, onde permaneceu de 1934 até 1945, e mais adiante, entre os anos de 1945 e 1962, foi funcionário do Serviço Histórico e Artístico Nacional, aposentando-se em 1962.
Aqui finalizamos esta modesta visão da obra de um grande poeta que nos apoia em busca de amplos sentimentos para nossa evolução intelectual: obrigada, Carlos Drummond de Andrade!