Não vou fazer a crónica do evento. Apenas continuar a reflexão. O Bom Jesus de Braga foi palco de fluxos históricos de temas espirituais e mística, de 24 a 27 de abril de vários países. Não de 50 anos do evento dos cravos, mas de mais de dois mil anos de espiritualidade.
O Minho bracarense prestou-se para repassar as experiências e transformações espirituais e místicas em Congresso Internacional à «procura do não-limite». Orientados por cerca de meia centena de temas, comunicações e conferências, os participantes refletiram sobre «os fazedores de História» e de buscas de sentido da vida humana.
Os trabalhos alternaram-se com a auscultação de lugares impregnados de seiva e sentidos espirituais cristãos que fizeram de Braga e sua região um manancial que deu identidade aos seus povos, e na qual se enxertou a identidade de Portugal de que alguns tentam fazer tábua rasa apagadas do sentido cristão.
As comunicações trouxeram à luz a seiva de textos de arquivos locais, europeus e globais; e extraíram sentidos dos granitos, telas e estátuas de igrejas e capelas de Braga, Bom Jesus e Sameiro, santuários e mosteiros, e foram complementadas em excursões peregrinantes pela cidade e região, Terras de Bouro, Geres e Guimarães. Para alguns, ainda, por Tibães e santuário eucarístico de Balasar.
As comunicações deram vida às palavras, silêncios, vulnerabilidades e sofrimentos de dezenas de místicos de tempos remotos e do nosso tempo. Os temas reverdeceram vigorosos como as paisagens minhotas, nestes dias de primavera à luz surpreendente do sol e brisas acariciadoras. Marcaram presença, na igreja da capela da árvore da vida, declamações de textos de tantos místicos de cenóbios, conventos, centros de estudos bíblicos, meditações e colóquios com Jesus, o Místico, por excelência, do Pai e do Espírito Santo.
Os oradores ora faziam sobressair a transcendência cristã e a ressurreição nas experiências espirituais e místicas, ora nos trabalhos de evangelização e sofrimentos pessoais e os da paixão e morte de Cristo dos místicos. Emergiram, luminosas, práticas e experiências, ora de figuras de primeiro plano, ora de pequeninos do Reino de Deus: Bento, Bernardo, Teresa de Ávila, Teresinha de Lisieux, Bartolomeu dos Mártires, Lúcia de Fátima, Alexandrina de Balasar e tantos outros.
O congresso foi um misto de dados de investigação rigorosa, exposições mais livres, dados práticos e meditações; talvez, um pouco desarrumados ao ponto de levarem alguém a dizer que seria preciso novo congresso e outros passos para continuar o trabalho realizado e levar por diante a história e o dicionário em que já estão a trabalhar cerca de 600 (seiscentos) autores.
Como harmonizar as realidades da fé cristã no tempo e espaço com os nexos divino-humanos da não transcendência/transcendência? Estará ao alcance humano harmonizar o tempo e o espaço, limitados, com o transcendente in-finito do não-limite da eternidade? Ao alcance da compreensão humana está mais o morrer que o ressuscitar, o que acaba, e as realidades que começam e não acabam.
Somos solicitados a passar pela morte de Cristo na cruz, observada e testemunhada por uns; e pela nossa, prevista e não vista, por ser um momento de passagem, prometida e acreditada pela fé, de transcendência de ressurreição no seguimento da Cristo, nosso Irmão na carne.
Ressurreição é passagem das realidades limitadas para as realidades sem limite. O Congresso deu espaço de reflexão às experiências transformadoras e à identidade cristã como meta de transcendência. Contudo os conceitos ficaram a precisar de mais discernimento exigente para distinguir o essencial da união com Deus, cume da mística.
Como já acenei, em alguns místicos, domina mais a vulnerabilidade do morrer que a ressurreição; aquela, abraçada no seguimento de Cristo, que aceitou a sua como a vontade do Pai, e não como provocada pelos que não sabiam o que faziam. Na verdade, a fé cristã aponta para a vontade do Pai como o vértice do caminho para a outra margem do transcendente da fé cristã. Não confundir com a transcendência do “faça você mesmo” terreno, neste mundo.
O sentido plenamente significativo do morrer pessoal está no amor de corresponder ao do Pai e aceitar cair, pela fé, nos braços do Pai como Jesus na sua oração no Jardim das Oliveiras. Ele olha-nos, quando ainda, só o vemos no espelho, e o passamos a ver face a face, na sua luz sem limites de visão bem-aventurada. Alguns místicos tiveram como que suspensões do tempo e do espaço e, em segundos (?), passaram por experiências de conhecimentos instantâneos, na luz de Deus. Era êxtase, fora do corpo e do espaço, ali ou no Céu?
Lembro alguns: André Frossard (cf. José Ramón Ayllon, 2010 pp.98-103), Alphonse Ratisbonne (cf. T. de Bussières 1998, pp.39-86), S. Paulo (cf. Cor, 12, 1-6), S. Pedro, no Monte Tabor (cf. Lc. 9,28–36) experienciaram e tentaram dizê-las, mas reconheceram que eram indizíveis, inexprimíveis de natureza não temporal e espacial. As místicas de transformação (conversão cristã) diferem, no dizer de André Frossard, embora a dele e a de Alphonse Ratisbonne tenham semelhanças. Alexandrina de Balasar, porém, viveu mais a união de amor e Cruz, e a de amor e Eucaristia, antecipando-se na oferta da sua vida que o próprio Jesus realizou na última Ceia, quando celebrou e entregou desde a véspera da sua morte a sua vida por todos.
E agora, em Balasar, está a ser erguido o Santuário Eucarístico a paredes meias com a casa onde a mística entregou a sua vida a Jesus e este a alimentou com o seu corpo e lhe permitiu viver 13 anos de jejum e anúria totais até à morte na cruz em que já vivia.