Todo corpo mergulhado num fluido recebe deste uma força vertical, orientada de baixo para cima, igual ao peso do volume deslocado. Conhecida como lei do empuxo, enunciada por Arquimedes, explica por que os barcos flutuam, ou os balões de gás hélio sobem.
Há uma semana jamais lembraria de Arquimedes, o gênio, certamente entre os maiores, filho da Magna Grécia, sepultado na Sicília. Comemorávamos o aniversário de minha esposa com parentes e amigos, que deixaram nossa casa um pouco mais cedo do que o habitual porque a previsão meteorológica prenunciava muita chuva. De fato, daquela noite em diante o céu derramaria por cinco dias a fio mais água do que nunca, tanto no vale, onde moramos, quanto na serrania. E há uma semana não vemos o sol.
Nossa cidade teve de enfrentar a maior enchente de sua história, mais de um metro acima da recordista anterior. Áreas jamais atingidas experimentaram a tristeza da invasão de água barrenta, contaminada sabe-se lá quanto.
Muitos abandonaram suas casas com a água pelas canelas. Removeram alguns pertences, empilharam outros, na crença, amparada por registros históricos, de que a água não subiria muito. Ou tanto. Premidos pela progressão agressiva do nível do rio, colocaram coisas sobre coisas desconhecendo o princípio de Arquimedes. Porque jamais suspeitariam, por exemplo, que uma geladeira flutuaria a partir de um certo nível da água, assim como outros objetos que de alguma forma sejam ou pareçam recipientes.
Nesta manhã fui prestar solidariedade a um casal atingido por mais de um metro de água dentro de casa. O encontrei cercado de amigos, num mutirão para iniciar a pesada limpeza. Um deles de pronto perguntou se também trouxera cachaça e limão. Peguei a bicicleta e busquei em casa duas garrafas de cachaça com butiá.
Quando cheguei e disse a um dos ajudantes o que trouxera, não se conteve. Abriu os braços e me abraçou, sem sequer saber meu nome. Nem eu o dele. Brindamos com copos de plástico. Agora tudo mudou, disse ele. Perguntou meu nome e se foi, casa adentro. O escutei a gritar “Que Deus abençoe João!”… Fiquei alguns minutos mais, tempo suficiente para injetar uma gota de ânimo nos flagelados. Tempo para dizer a eles o único texto de Ortega y Gasset que conheço: “A experiência opera no homem como o fogo no metal. Quando não o reduz a cinzas, tempera-o”.
Enquanto trabalhavam, com alguma coordenação e risos que não estampavam minutos antes, foi inevitável lembrar de uma passagem de “As minhas universidades”, de Gorki. Descreve uma noite em que trabalhou na descarga de um navio, debaixo de frio ártico, aquecidos todos por generosas doses de vodca. O escritor revela que naquela noite percebeu a poesia do trabalho. Que é sempre recitada entre amigos e desconhecidos que se ajudam.
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O drama atingiu todas as bacias hidrográficas do estado e já deixa um rastro de mortes e desolação. O inesperado recorde em nossa cidade inaugurou um precedente de tirar o sono de todos os atingidos. Quem pode garantir que o fenômeno não se repita?
Noites mal dormidas, debaixo de expectativas e críticas, são agora companheiras de todos os administradores públicos estaduais. Muros de contenção, barragens, hidrelétricas, alguns dentre eles têm mais de meio século. O muro na capital quase foi ultrapassado e mais de um portão cedeu. Se o muro romper – Deus permita que nunca,- o desastre será comparável a um tsunami.
Como num fogo cruzado, ilações, dúvidas, acusações e revoltas silenciosas cruzam nossos ares, à busca de explicações e culpados. Como em tosa de porco, muito grito e pouca lã. Uma coisa é certa: somos um Estado envelhecido, com infraestrutura ultrapassada, no qual os poderes constitucionais vivem a cuidar cada vez mais de si mesmos. Conseguiram apropriar-se do Estado e a população assumiu a condição de pedinte.
Pior, porém, é a carência de homens que conjuguem visão larga e coragem. Nosso cenário está repleto de oportunistas e bajuladores, covardes e incompetentes. Quem sabe das barrancas castigadas de nossos rios renasçam Osvaldo Aranhas, Osórios, Flores da Cunha, Assis Brasis,…