Silvina Ocampo nasceu em Buenos Aires em 1903 e faleceu em 1993; foi uma escritora, contista e poeta argentina.
De uma família de classe média alta, ela é uma das seis irmãs Ocampo, e todas tiveram uma excelente educação; além de professores particulares, Silvina teve três governantas, uma francesa e duas inglesas, que a tornaram praticamente trilíngue, o que ela mesma declarou ter influenciado sua leitura e escrita.
Seu primeiro livro, “Viagem esquecida”, foi publicado em 1937, na editora Sur, pertencente a sua irmã mais velha, a consagrada escritora Victoria Ocampo, e sua última obra foi “As repetições”, publicada postumamente, em 2006. Antes de se estabelecer como escritora, Ocampo foi artista plástica, estudou pintura e desenho em Paris, onde frequentou os lugares famosos dos grandes artistas.
Talvez no Brasil a autora não seja muito reconhecida, entretanto, Silvina Ocampo é considerada uma das escritoras mais importantes da literatura argentina do século XX. Ela recebeu o Prêmio Municipal de Literatura em 1954, em Buenos Aires, o Prêmio Nacional de Poesia em 1962, o Grande Prêmio de Honra do SADE (um júri como um “encontro de autores e editores” cujo o prêmio é concedido ao “autor singular e homem honesto, de acordo com a definição de seu século”) em 1992, e o Prêmio Konex em 1984 (organizado pela Fundação Konex da Argentina para que as personalidades mais distinguidas sirvam de exemplo para a juventude).
Ao longo de sua produção literária, Ocampo nos proporcionou oito antologias de contos, cinco pequenas antologias, quatro coletâneas de contos infantis, onze compilações de poemas, três romances, uma peça teatral, sete seleções variadas, sete filmes apoiados em sua arte. Silvina teve a oportunidade de percorrer a extensa vida cultural parisiense dos chamados “anos loucos” de então, e em 1932 ela conheceu Adolfo Bioy Casares, o grande escritor argentino, com quem ela se casou em 1940 e permaneceram juntos.
Quanto ao trabalho poético de Silvina Ocampo, podemos afirmar que inicialmente sua métrica era clássica, muitas vezes dedicada à beleza de elementos naturais, como as plantas tão apreciadas por ela, mas a partir de sua publicação de “Espaços métricos” (1948), ela volta-se a reivindicar sua originalidade, tanto em seus contos, como em seus poemas; ela evolui sua escrita, ela se permite uma elaboração variada.
Desde então, seus temas favoritos expõem o conceito de metamorfose do mundo, o tema da infância e o relacionamento – amoroso ou não – do eu com “o outro”; são estes os três pilares de sua obra. A metamorfose é uma grande transformação que ocorre em certos animais durante seu ciclo de vida, como a transformação da lagarta em borboleta, por exemplo.
Em muitas de suas histórias, Ocampo usa mudanças físicas e psicológicas para transformar muitos de seus personagens; isso inclui a transição de pessoas em plantas (a hibridização humano-vegetal em “Savanas da terra”), em animais (a hibridização humano-felino em “O rival”), em máquinas (a hibridização humano-inanimado em “O automóvel”) e em outras pessoas (por exemplo, “Amado” se transforma em “o amado”).
Podemos interpretar estas transformações como características de seus personagens cativados em um ciclo de retorno; tais personagens, como os de “Savanas da terra” propõem refletir uma tendência a generalizar o conceito e a visão de mundo que a história pretende comunicar.
Vamos lançar mão da poesia de Ocampo como exemplo do que disséramos; primeiro poema, “Rogo”: “Quero outras sombras de ouro, outras palmeiras / com outros voos de pássaros estrangeiros, / Quero ruas diferentes, na neve, / uma lama diferente quando chove, / Quero o cheiro ardente de outros bosques, / Quero o fogo com chamas estrangeiras, / outras canções, outras asperezas, / que não tenha conhecido minhas tristezas.”
Segundo poema: “Às vezes contemplo você em um galho…”; “Às vezes te contemplo em um galho, / em uma forma, às vezes horrorosa, / na noite, na lama, em qualquer coisa, / meu coração inteiro arde em tua chama. / ( … ) Entre tuas mãos, estarei indefesa, / não viverei se não for para te alcançar / e atravessarei a dor para te adorar, / pois você sempre me dará tua recompensa, / que é muito mais do que te pedi / e quase tudo o que terei querido.”
Terceiro poema: “Soneto de amor desesperado” – “Mate-me, amor esplêndido e sombrio, / se vires a esperança em minha alma se esvair; / Se o grito de dor em mim se cansar / Enquanto esta flor morre em minhas mãos. (… ) No abismo de meu coração / encontraste um espaço digno de teu desejo, / em vão me retiraste de teu céu / Deixando minha desolação em chamas. / Ó tu que me deste harmonia! / Em desespero, creio em tua promessa. / Amor, veja-me, em teus braços, uma prisioneira.”
Quarto poema: “Gostaria de ser seu travesseiro favorito…” – “Gostaria de ser seu travesseiro favorito / onde você descansa seus ouvidos à noite / ser seu segredo e ser as barras / de seu sonho: dormindo ou acordado / ser sua porta, sua luz quando você se afastar, / alguém que não tentou ser amado. / Para fugir da ansiedade que está em minhas queixas, / para às vezes ser capaz de ser o que sou, nada, / nunca ter medo de perder você com variação e infidelidade profunda, / nunca, por nada, ser capaz de lhe conceder / a fidelidade tediosa e vulgar / dos abandonados que preferem / morrer para não sofrer, e que não morrem.”
Mais uma – e última – observação a fazer sobre a obra de Silvina Ocampo: em determinada época, a autora dedicou sua poesia para a reflexividade. O termo reflexividade se refere à capacidade específica do ser humano de fazer de si mesmo e de suas ações objeto de análise; principalmente em sua coleção de contos “A fúria” (1959), há uma repetição de objetos como espelhos, luz, objetos de vidro e relógios; o uso da luz refletida e os objetos que a refletem são frequentemente distribuídos pelas contos e igualmente em alguns poemas.
Interpreta-se tal situação como se esses objetos reflexivos, espelhos e relógios, sejam veículos de identidade modificada e reproduzida, nos contos fantásticos de Ocampo; exemplo: “Em vez de ver o quarto refletido, eu via algo do lado de fora no espelho, (…). Eu era vítima, sem dúvida, de uma ilusão”. Para finalizar, deixamos este pequeno poema repleto de sabedoria: “Única sabedoria” – “A única coisa que sabemos / é o que nos surpreende: / que tudo passa, como se / nunca tivesse passado.”