Esta questão coincide com o tema da “Semana da vida”: «Da fragilidade (re) nasce a vida». As pessoas são diferentes no corpo, na mente e no espírito, e a teologia defende que foram criadas por Deus. Porquê, Deus cria pessoas diferentes, perguntaram-me há tempos? Será melhor perguntar a Deus, respondi. A pergunta pode subentender uma resposta: Deus é injusto e seria melhor que fossem todas iguais. Os biólogos têm outras explicações: acasos ou erros da evolução biológica do ADN.
O homem é tentado a limpar as pessoas defeituosas com eugenias e genocídios destrutivos no seguimento de Darwin, Nietzsche, Hitler. O mesmo fazem alguns técnicos da fertilização in vitro, ou abortistas, infanticidas, genocidas, racistas e esclavagistas de hoje. Em todos os tempos surgiu a tentação de eliminar as pessoas diferentes desagradáveis. Pessoas iguais, porém, seriam máquinas incapazes de relações pessoais de qualidade enriquecedora.
Frankenstein tentou fabricar um monstro; a inteligência artificial sonha fazer intelectos e as ideologias violentas eliminam pessoas diferentes que odeiam. Durante anos, na China as meninas por não serem meninos eram privadas da vida por cada mãe só poder dar à luz um rapaz.
Quando em 1992 estive em Macau, ouvia que entravam ali algumas mulheres para dar à luz e poderem guardar vivas as suas meninas. As diferenças entre pessoas são inumeráveis, algumas difíceis de aceitar por elas e pelos outros. As outras pessoas por vezes, rejeitam-nas em vez de as ajudar mais. As sociedades, em vez da barbaridade de genocídios têm a missão de prestar cuidados a essas pessoas mais vulneráveis, fracas e doentes.
As culturas decadentes e viciosas, como se vai mostrando a nossa, tendem a abandoná-las sem cuidados e deixá-las morrer ou recorrer a ajuda no seu suicídio. Esquecem que todas são igualmente dotadas da dignidade de pessoas. Em vez de respeitar esta dignidade igual à de cada um, acham que não a têm. A dignidade faz parte do ser pessoa e ninguém a dá ou a pode tirar. Lembro um grupo de trabalho internacional que estava a refletir sobre como lidar com a dignidade das pessoas com limitações. Surgiu a ideia de que só respeitar essa dignidade é aceitável.
Porque criou Deus, então, pessoas tão diferentes? Ele ama todas as pessoas que cria, e só por amor as cria diferentes, mas com igual dignidade, tanto as mais saudáveis e dotadas, como as mais frágeis e doentes. E as ama todas, cria-as, assim, para todas se ajudarem e amarem nas suas diferenças. As pessoas são todas diferentes e únicas, e iguais só na sua dignidade, mas é nas diferenças que há relação.
A declaração recente da Igreja afirma a «dignidade infinita» nas pessoas todas, quer sejam inteligentes e limitadas, saudáveis ou de saúde frágil; enriquecidas de qualidades humanas ou pobres e muito incapacitadas. As diferenças de cor, religião, estatura, força física, não afetam a igual dignidade como diz a Declaração da ONU (1948), e antes dela, embora de modo diferente, a Revolução Francesa; e, muitos séculos antes, Cristo proclamou e a Bíblia (Gen. 1, 27) se antecipou-se a dizer: «E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou».
Será que a dignidade e as diferenças das pessoas são uma ajuda a distinguir o essencial do sentido da vida, do que é secundário, de menos valor, aqui e para a eternidade? Não serão essas diferenças que ajudam as pessoas a manter relações com todos como irmãos e irmãs? Ninguém escolhe os seus irmãos e irmãs nem dá dignidade a cada um deles. Essa já faz parte do seu ser.
O maior problema das sociedades está na dificuldade em aceitar e respeitar as pessoas diferentes e de impregnar essas relações com amor incondicional. Infelizmente, não há escolas de amor incondicional. Amar incondicionalmente não é aprovar ou imitar o mal vicioso dos outros. Relacionar-se com empatia é ir além dessas negatividades e respeitar a dignidade dos outros, apesar das suas fragilidades com compreensão. Sem a relação de proximidade com as pessoas diferentes, frágeis e muito, muito limitadas, não se abre a janela para o sentido do essencial da vida humana, mas fecha-se no escuro.
Será isso que está a acontecer com tanta falta de respeito pela dignidade das pessoas diferentes? Recusa-se esta humanidade cheia de pessoas dignas, mas insignificantes e não se reconhece a sua essencial dignidade igual à de todos. Abre-se o abismo que está a engolir esta cultura decadente de acabar com os frágeis na ilusão cega de dar dignidade aos fortes e ricos. Afinal, tão dignos, mas tão insignificantes como os mais pequeninos.
O ódio, as guerras, a fome ao lado do esbanjamento viciado; as extravagâncias e orgias ocas e loucas,e a barbaridade de não deixar nascer as crianças tudo vai arrastando o Ocidente envelhecido para o abismo, sem esperança e sem futuro no aquém e no além. Povos cristãos vão desperdiçando o sentido da vida de todos, deixando de o ser; enquanto outros vão começando a ser como o apóstolo Matias a ocupar o lugar de Judas, e a dar esperança aos que pedem as migalhas do Evangelho, como fez a mãe cananeia da filha endemoninhada (Mt.15,21-39).
Cristo deixou quadros que descrevem esta sociedade decadente às escuras: Lázaro cheio de feridas à porta do rico avarento em banquetes diários que acabou por pedir uma gota de água (Cf. Lc. 16, 19-31); o Rico insensato de celeiros cheios a gozar a vida (cf. Lc. 12,13-21); e o incompetente construtor de casa sobre a areia (cf. 6, 47-49). Dão oportunas meditações na novena do Espírito Santo para pedir a luz e sabedoria de aceitar, agradecer e respeitar a dignidade de todas as pessoas.
Funchal, Semana d Vida, Novena do Espírito Santo