Os 100 metros que restam da tapeçaria, expostos num pavilhão no castelo d’Angers.
Ontem, 18 de Maio de 2024, foram apresentados pela primeira vez ao público os fragmentos recém-descobertos da tapeçaria d’Angers que ilustram o Apocalipse de S. João. Encomendada à volta de 1375 pelo Duque Luís I d’Anjou, a tapeçaria era inicialmente constituída por seis peças de 23 metros de comprimento por 6 metros de altura.
Esta obra-prima da Idade Média, como aconteceu com muitas outras peças de arte, foi muito mal-tratada pelos perseguidores da Igreja, em nome de uma iluminada cultura, que se impôs a si própria a missão de eliminar a herança do catolicismo. Com desprezo pelos «obscurantistas» da Idade Média, cortaram a tapeçaria em pedaços e fizeram deles mantas para os cavalos e usaram-nos noutras funções menores. Dos 138 metros iniciais resta apenas uma centena de metros e a altura inicial de 6 m está reduzida a 4,5 m. Mas nem essas sobras dos painéis iniciais foram devidamente respeitadas. Só em 1950 é que a tapeçaria foi recuperada e exposta ao público.
Há 4 anos, descobriram-se em Paris mais alguns fragmentos da tapeçaria, e são esses, recuperados e estudados, que foram agora expostos pela primeira vez. Como estiveram protegidos da luz, as cores encontram-se num estado de conservação extraordinário, permitindo admirar a força das cores originais, quase intacta.
Trabalharam na tapeçaria pintores renomados da época e foi tecida com fios de lã e fios de ceda e ouro por artesões de grande perícia. O que resta é uma das poucas obras da Idade Média que sobreviveram às malvadezes da perseguição, sobretudo durante a Revolução Francesa.
A qualidade desta obra é especial, tanto pela qualidade da composição como pela execução. Por exemplo, a tapeçaria não tem uma parte de trás feita de fios soltos, porque os fios estão igualmente tecidos dos dois lados. Isto permitiu que as pontas dos fios ficassem protegidas no interior da tapeçaria, preservando-lhes o colorido vivo e deslumbrante.
As quadrículas liam-se como uma banda desenhada, da esquerda para a direita e de cima para baixo, ilustrando o último livro da Bíblia, o Apocalipse de S. João. Esse livro representa a luta sem tréguas do mal contra Deus e contra a Igreja. Representa também a liturgia celeste, dos Santos e dos Anjos adorando a Deus. Estabelece assim um contraponto entre as dificuldades da Igreja peregrina nesta terra e a glória da Igreja triunfante na amizade com Deus. Originalmente, os quadros da tapeçaria tinham legendas que facilitavam a sua interpretação, mas essa foi uma das partes cortadas e destruídas.
A impiedade com que alguém foi capaz de maltratar uma tapeçaria desta qualidade faz lembrar o ataque à basílica d’Angers, em 2023. Felizmente, desta vez não conseguiram arrombar o Sacrário e profanar as hóstias que lá estavam, para adoração dos fiéis, apenas decapitaram as esculturas e destruíram as obras de arte. Os fiéis, reagiram ao vandalismo com oração e a celebração da Eucaristia. Segundo o pároco, «vamos oferecer estes actos terríveis na Missa de Domingo, festa da Divina Misericórdia, para que Nosso Senhor os perdoe».
A Ministra francesa da Cultura em 2023, Abdul Malak, de origem libanesa, condenou o acto nestes termos: «Estátuas decapitadas, cruzes partidas, altar central saqueado. Condeno veementemente este acto de vandalismo na igreja de Sainte Madeleine, em Angers. Atacar o nosso património significa atacar o que está na base da nossa história comum. Crentes ou não, somos todos afectados».
As destruições do património religioso são ocasião de rezarmos mais. Apreciá-lo e reconhecer o papel da Igreja em prol da cultura é justo e aproxima as pessoas de Deus. Em todos os casos, temos de pensar em Deus em primeiro lugar.