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Ciranda da Vida – Fatos a recordar

  • Maio 27, 2024
  • Cultura
  • Ernesto Lauer

 

“A memória tem raízes profundas
Às vezes basta uma palavra, um cheiro
E ela nos leva para longe
Àquele tempo primeiro”
(Goethe)

 

Era o tempo de guri; nossa casa ficava ao lado do prédio da loja; entre ambos havia uma passagem. O tempo não recordo, imagino 1953. A noite corria calma; na casa todos dormiam tranquilamente. De repente, o seu Lauer ouviu um barulho, saiu de cueca e revólver em punho. Dois gatunos saíram correndo do interior da loja, com sacolas de mercadorias.  Ele chegou até a porta, vislumbrou os meliantes e atirou. Uma das balas atingiu, na perna, o homem que corria por fora, junto ao meio-fio. Minha mãe não o deixou continuar a perseguição. Foi a polícia que saiu ao encalço e os prendeu.

O pai foi chamado pelo Delegado Melgaré.  Como guri curioso, fui junto. Tive que esperar na calçada. A Delegacia era no prédio defronte da Prefeitura. Eu espiei e vi os dois caras. Depois do depoimento, eles foram levados para o porão, onde ficava a cadeia.

A cadeia ocupava a parte baixa do prédio e todo o terreno envolta, até a esquina da São João. Na parte dos fundos os presos tomavam banho de sol e jogavam bola. A segurança era mínima no entorno. Havia três celas cujas janelas de ventilação davam para a Rua João Pessoa, apenas protegidas por grades de ferro, sem outra vedação. Por isso era possível enxergar-se os presos e com eles conversar. O Dico e o Verão, pequenos amigos do alheio, cantavam muito bem. Faziam dueto e juntava gente do lado de fora para ouvi-los. Sempre ganhavam uns trocos. Era comum os presos subirem nos beliches e pedirem cigarros para os transeuntes. Normalmente ganhavam.

Nos anos 60 a legislação permitia a prisão para averiguações. A gatunagem, normalmente paus-d’água desempregados, praticava pequenos furtos, como de roupas nos varais e simples mercadorias dos armazéns, por exemplo. Quando os Pedro e Paulo (assim eram chamadas as duplas de policiais militares) prendiam um destes meliantes, era conduzido até a Delegacia de Polícia e depois guardados no “Boi Preto” por algum tempo. Quando era por vadiagem, tinham que assinar um termo, comprometendo-se a conseguir ocupação em 30 dias.

Naquele tempo, as contravenções por jogo do bicho, vadiagem, mendicância, embriaguez habitual, entre outros, implicavam em segregação da liberdade e processo. Uma das nossas figuras folclóricas: SAPUCAIA, era um refinado tratante e habilidoso “afanador”; gostava de visitar a casa do Coronel Álvaro de Moraes, que era um homem muito bom e nem sempre dava parte dos pequenos furtos.  O Sapucaia não levava coisas de muito valor.

O pior era quando ele bebia… E isso acontecia quase todos os dias. Ele sempre tinha uns trocados consigo para a cachaça. De certo lograva algum incauto; era bem conversado e contador de causos. Segundo a Lei das Contravenções Penais, a pena por embriaguez e/ou vadiagem, era de prisão celular de oito a trinta dias. O julgamento era sumário, rápido e dava cadeia.

O Sapucaia era freguês de caderno; seguidamente era levado à presença do Juiz e costumava passar uns dias atrás das grades. Certa feita o Juiz perdeu a paciência com o Sapucaia:

– Tu aqui de novo? É a quarta vez em dois meses!

– Pois é doutor; mas a culpa não é minha. São os “Poliças” que me trazem aqui. Eu até me mudei prá mais longe.

O Delegado Serrano, quando em Gravataí, teve um rumoroso caso de roubo. Tinha suspeitos, mas nenhum admitia. Num dia, deteve um deles, colocando-o no “Boi Preto” para, quem sabe, contar a verdade. O homem ficou dois dias a pão e água e nada. Ante a situação, o Serrano lembrou-se de um grande freguês da Delegacia, por causa das borracheiras. Propôs um negócio: ele ficaria no “Boi Preto”, junto com o suspeito e tentaria obter informações. Em troca, receberia 5 garrafas de cachaça. O cara topou de imediato, mas sob uma condição: só ficaria por uma noite. Não podia ficar sem beber por mais de uma noite.

Era fim-de-semana e o Serrano saiu para pescar. Esqueceu o cara no xilindró. Quando voltou, o sujeito pulava e esperneava, dizendo denunciá-lo na Chefia de Polícia. O Serrano, então, fez um escrito e entregou. O bilhete dizia: Vale cinco dias de cadeia. Fez uns rabiscos, como se fosse assinatura, com a seguinte recomendação: Quando tu for preso novamente, apresenta o vale e desconta.

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