Certa feita lembrei de uma figura folclórica de nossa cidade, o CEZÁRIO BALAIO-BOCÓ. Tracejava pelas ruas, andando alhures, sempre acompanhado do seu cachorro, de sugestivo nome: Kubischek, dado em homenagem ao ex-presidente da república. Ele não conseguia dizer o nome correto. Falava: “vai deitá kubiséqui”. Ele era bom de conversa, falava baixo e pausado. Atochador (mentiroso); quando o mandavam trabalhar, se fazia de surdo, olhava para o alto e dizia: “será que vai chover”?
Uma coisa, entretanto, botava o Balaio-Bocó a correr imediatamente. Era muito usado quando começava a incomodar. Bastava dizer: – “A polícia vem ai, vem te prendê. Tu estuprou uma viúva com 5 filhos, agora tu vai pro boi-preto (cela do presídio, no porão do prédio fronteiro ao Palácio Rio Branco). Te escapa”. Imediatamente ele chamava o “kubiséqui” e ganhava a estrada. Figura que ficou na lembrança dos contemporâneos.
O armazém era daqueles de antigamente: com um balcão revestido de pedra, para servir aperitivos e cervejas; uma boa quantidade de tulhas que ficavam à vista dos fregueses para que eles pudessem observar a qualidade dos produtos e um balcão comprido de madeira, para a venda das miudezas e onde ficava a balança de pesagem. O Felipe Honório era o dono. Pelas redondezas era conhecido como LIPE. Estudou só até o terceiro livro, mas era bom em contas e sabia ler corridinho. Tinha assinatura do Jornal “O Progresso e o genro alcançava-lhe o Correio do Povo dominical.
Ele dizia que o genro estava estudando para DOUTOR. Era uma situação meio estranha, pois faculdade somente na Capital e homem morava e trabalhava na cidade. O pessoal achava que o genro do Lipe estudava Contabilidade no Colégio dos Maristas, mas dizia que ia ser doutor.
O Lipe devorava os jornais; ficava uns três dias lendo e comentando as notícias com os fregueses, sempre aumentando os fatos por sua conta. Se alguém discordasse, por ouvir a notícia no rádio de forma diferente, o Lipe logo se impunha: – “o que vale é o que está escrito no jornal; no rádio eles inventam muito e o locutor sempre aumenta a notícia”.
Numa certa oportunidade Lipe foi assistir a um júri. Ele escutou a fala do Promotor e do advogado de defesa com muita atenção. Nesta oportunidade aprendeu uma palavra nova: “Data Venia”; aquilo era outra língua. O Lipe perguntou a um advogado conhecido qual o significado. Era latim e queria dizer com todo o respeito.
Pronto, daquele dia em diante, o Lipe passou a usar a expressão no diário de suas conversas. Era “data vênia” prá cá e “data vênia” prá lá. O pessoal ficava admirado como o Lipe falava palavras tão difíceis. Ele também gostava muito de política. Era meio “muçum”, nunca definindo um lado político-partidário. Para os íntimos dizia que sempre era do governo… “daí a gente nunca perde uma eleição e está sempre de bem com as autoridades”. Ele oferecia as dependências do seu armazém para os políticos fazerem comícios ou simplesmente para pagarem cerveja e conversar com o pessoal da redondeza. Ele próprio convidava o pessoal e como a boca era livre, sempre havia uma boa plateia.
Doutra feita, ele ouviu um letrado falar sobre o princípio da alavanca e a frase proferida por Arquimedes: DÊ-ME UM PONTO DE APOIO E LEVANTAREI O MUNDO. Guardou consigo tamanha sabedoria. O Lipe curtia a sua importância na localidade; inclusive oferecia sugestões aos políticos, especialmente aos vereadores e candidatos ao cargo.
Em um comício no seu armazém, o Lipe procurou um vereador, candidato à reeleição e ofereceu-lhe alguns subsídios para sua plataforma e entregou-lhe um escrito. Depois, em casa, por curiosidade, o vereador leu o bilhete: “1 – Apresentar projeto revogando a lei da oferta e da procura, por fazer mal à economia do Município; 2 – Oferecer projeto criando pontos de apoio, para alavancar o Município, gerando mais serviços e obras para o bem de todos”. Certamente o vereador se reelegeria facilmente.