Vamos conversar
Como dois velhos que se encontraram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada
(Cora Coralina)
Não faz muito, no centro de Tramandaí, encontrei um cidadão, em quadra de tempo muito semelhante a minha, perguntando se o conhecia. Não me era estranho, mas não lembrei. Estudou no Jacob Renner e foi colega das reuniões dançantes. Conversamos sobre as coisas de antigamente e boas risadas aconteceram. Simples: por termos palmilhado a mesma estrada.
Vida pode significar muitas coisas: o espaço de tempo entre a concepção e a morte e/ou um processo contínuo de relacionamentos. Pois eu andava caminhando sem rumo, mas em direção de… Alhures. O psiquiatra disse ser depressão e receitou remédios. Mas, continuava como dantes no quartel de Abrantes. Até que resolvi parar de fumar. Paulatinamente o humor começou a oscilar; subiu e estabilizou. O grande vilão era (e foi) o fumo. Hoje tenho norte… Ao horizonte caminho a passos lentos e seguros; participo de cada momento no seguir da trajetória, na medida em que as coisas vão acontecendo.
Já me despi das vestes talares, confinei os títulos e apaguei os sentimentos próprios da mesquinharia e hipocrisia. Nivelei a todos como iguais, pouco importando as idiossincrasias de cada um. Evidente que a sequela da falta de ar restou imutável, amainada pelas bombinhas e terapia respiratória.
A alegria de reviver, mentalmente, os fatos do passado funciona como lenitivo às agruras do tempo septuagenário. Rever os contemporâneos e conhecidos de outrora possibilita a interação presente/passado. Se recordo é porque vivo – e as minhas recordações são vividas e, por elas, a retrospectiva ganha a dimensão do transcurso do tempo. As fotos são prova inequívoca dessa passagem temporal.
Nós outros fomos coparticipes das mudanças que aconteceram ao longo dos últimos 60 anos; assim como da liberdade que hoje os jovens experimentam. Quem sabe erramos, até por termos sido permissíveis com nossos filhos – mas sempre com responsabilidade. As grandes transformações aconteceram porque emprestamos e compartilhamos o suporte para sua concretização.
A mente alarga as imagens ao cotidiano, despertas pelas brumas do tempo. Quando saio a caminhar, as novas construções na vizinhança da Ramiro, deixam transparecer as antigas casas ao seu longo antigamente edificadas. As meu lado, a casa da família Michels (Arnoldo e Thalia – pais da Norma e do Henrique) deu causa a duas grandes lojas. Dou passos maiores e chego à esquina.
Uma esquina de várias histórias. O encontro da minha rua com a Osvaldo Aranha forma quatro cantos e, em cada um deles, com a história de patriarcas da grandeza do desenvolvimento da cidade. Da família Hoffmann que construiu o Hotel Montenegro, sucedidos por Celita e Bruno Schneider que deram continuidade ao empreendimento; saudade especial do Luiz Carlos, goleiro do Inter, já falecido. Asta, filha do casal, ainda conosco permanece e ofereceu aos filhos a continuidade e diversificação do empreendimento.
Ao lado oposto, a antiga loja de Fazendas, Armarinhos e Miudezas em Geral, que nasceu de uma sociedade. Natural da Linha Júlio de Castilhos, localidade do então distrito de São Salvador, onde nasceu em 23 de fevereiro de 1908, o cidadão Jacob Damião Müller, no início da década de 40, desceu a serra e fixou-se definitivamente em nossa cidade. Foi ele quem construiu a casa assobradada ali ainda existente.
Associou-se ao cidadão Edmundo Krohn, então representante comercial, começando a loja “Krohn & Müller Cia Ltda.”, em data de 13 de dezembro de 1946. No ano de 1950, os sócios resolveram extinguir a firma, abrindo a sociedade. Edmundo comprou a parte de Müller e continuou o empreendimento, então com o nome fantasia de “A COMERCIAL”. Ele e a família passaram a residir no piso superior do prédio.