Divulguei entre amigos um texto que recebera de Portugal, abordando o tema em epígrafe, com ênfase na obra de mesmo nome, de Roger Scruton. No final da madrugada pipocaram alguns comentários, começando pelo bem humorado “na juventude somos incendiários, mais tarde viramos bombeiros”. Meu pai usava este jargão quando criticava atitudes intempestivas, marcadas por muito ímpeto e pouca reflexão. Tomadas por quem não põe a cabeça no travesseiro antes de decisões grandes e não urgentes. Ou não escuta o travesseiro.
Além do frescor e da potência, a juventude tem como apanágios a arrogância, a impaciência e a ignorância. Não escrevo com ranço, até porque estes atributos podem ser fundamentais para o “não sabia que era impossível, foi lá e fez”. Mas, pelo bem ou pelo mal, qual o tipo de proeza que pode advir de qualidades temerárias? Normalmente alguma coisa associada ao uso da técnica, algo que requeira coragem e até mesmo boa dose de irresponsabilidade. Vencer os mares em embarcações precárias ou colocar Yuri Gagarin no espaço foram conquistas notáveis na história da humanidade, como o foi detonar a bomba em Hiroshima. Seus efeitos, porém, são absurdamente diferentes. Colombo descortinou o Novo Mundo, Gagarin nos fez saber que a Terra é bela e azul, enquanto Hiroshima pulverizou a tampa da caixa de Pandora.
Anos atrás um leitor contestou algo que escrevera. Afirmou que se tratava de um pensamento ultrapassado. Respondi que não me preocupava com a idade das idéias, mas se estavam certas, ou não. Não houve tréplica. Mais ou menos na mesma linha, perdi a conta das vezes em que Sócrates é citado. A maiêutica pode ser utilizada de forma maliciosa, tirando o chão dos contrários e os tornando vulneráveis. O sutil ataque visa a destruição de convicções, como se fossem meras defesas de quem acha que sabe tudo e nada sabe. Afinal, “só sei que nada sei”.
Ora, Sócrates viveu há mais de dois mil anos, mas isto não parece ultrapassado para pessoas cujo objetivo é atacar um oponente, solapar o edifício cristão ou destruir a civilização ocidental.
No linguajar corrente, denominar alguém como conservador é sinônimo de um xingamento na linha ad hominem. Impõe-se diferenciar um conservador de um conformado. Um conservador avalia a correção ou a vantagem de mudanças. Um conformado joga a toalha e se faz barco sem remos.
Nos embates desonestos, se não é possível vencer as ideias de um contrário, cole-se nele a pecha de conservador. Se o ofendido não tiver boa esquiva, irá à lona com um só upper.. Porque vai a nocaute quem não tem jogo de pernas, quem subestima os maus e sobretudo desconhece que o adversário utiliza ferro dentro da luva … De qualquer forma, nem todo embate vale a pena. Frequentemente não passa de pura dissipação. De tempo e humor. Por isto mesmo São Paulo afirma que combateu o bom combate.
Na obra “Conservadorismo”, Scruton o apresenta como reação aos que pretendem deixar terra arrasada atrás de si: “Em sua forma original, como descrita nos dois primeiros capítulos, o conservadorismo fora uma resposta ao liberalismo clássico, uma forma de “sim, mas…” em resposta ao “sim” da soberania popular. Fora uma defesa do legado contra a inovação radical, uma insistência no fato de que a libertação do indivíduo não podia ser conseguida sem a manutenção dos costumes e das instituições ameaçados pela ênfase obstinada na liberdade e na igualdade. No fim do século XIX, o conservadorismo começou a se definir de outra maneira, como resposta aos gigantescos esquemas por uma sociedade “justa” a ser promovida por um novo tipo de Estado gerencial. Nessa batalha, o conservadorismo se tornou, em grande medida, o verdadeiro defensor da liberdade, contra o que foi, no melhor dos casos, a ascensão de um sistema de governo burocrático e, no pior, como na União Soviética, uma tirania ainda mais homicida que a dos jacobinos na França revolucionária”.
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Bombeiro ou incendiário? O que você quer ser quando crescer? Se incendiário implica imaturidade e bombeiro exala sabedoria, não hesitaríamos na resposta, mas na juventude carecemos do discernimento que só o tempo regala.
Quanto à adjetivação com a qual pretendam identificar e intimidar oponentes, para fuzilá-los no paredão dos interesses, há que resistir. “Ultradireita” e “fascista” são os carimbos fajutos na escrivaninha da tirania, que mata a liberdade sob o pretexto de salvá-la.
Quando se discute o que é conservadorismo, prefiro lembrar a distinção entre moral e ética. A ética pode e deve mudar com o tempo, enquanto a moral jamais muda.
Assim, quem não admite mudanças éticas não é um conservador, mas um retrógrado.
No outro espectro, quem pretenda destruir a moral não é um progressista, mas um sociopata.