“Caminho o meu caminho e nos lugares que passei
As pedras no caminho são o pranto que chorei
Escondo em minhas mãos, carinhos que eram seus
E guardo sua voz no poema do adeus” (Miltinho).
Do ano de 1945, quando fui morar na localidade de Vila Scharlau, nada lembro, pois estava no aconchego do ventre materno. Algum tempo depois, vim ao mundo, no Hospital Centenário de São Leopoldo. No início, meu pai me disse que tinha sido pescado; inclusive mostrou-me o poço de onde saí – por isso sou pisciano, no seu dizer.
Em 1949, depois do falecimento do meu tio Arnoldo Kauer, fizemos o caminho de volta. Viemos de ônibus – os poucos móveis e utensílios dos meus pais seguiram no caminhão de um amigo. Morávamos com os avós paternos e, em Montenegro, viemos a morar com os do lado materno, na Rua Dr. Flores.
Desde a mais tenra idade, vinha em visita aos avós Fridalina e Oscar Arvedo Kauer; naquela época, cruzava-se o rio na barca do Passo do Manduca. Todavia, desta vez, a travessia pela barca foi diferente: uma simbiose entre a tristeza de partir e a alegre incógnita do chegar, a um novo ambiente da vida continuar.
As três barcas que nos serviam: S.S. do Caí, Pareci Novo e Manduca, hoje pertencem à história e lembrança, dos contemporâneos que tiveram oportunidade delas se valeram, a vencer as águas do Rio Caí. Somos os que guardam as lembranças e o ADEUS.
As pontes de concreto, o adensamento do solo e o asfalto, ligando nossa cidade ao Rincão do Cascalho, deram um novo significado ao nosso ir e vir, vencendo distâncias com mais facilidade. A ponte é como a memória: amálgama a unir fatos e vãos em aberto, consolidando duas margens.
Por esta nova estrada cruzei, um dia sim e outro também, rumo a Porto Alegre, para frequentar as aulas do curso de direito. No primeiro ano morei na Capital; nos quatro seguintes viajei, para poder lecionar no curso ginasial noturno do São João Batista. Em 1969 conclui o curso superior – 55 anos já se passaram.
Caminhei o meu caminho; por muitos lugares passei e vicissitudes enfrentei, tanto minhas, quanto as dos outros. Os caminhos da lei percorri, avaliando e tentando entender as condutas daqueles que a infringiram os seus ditames. Por vezes chorei e vi muitas pessoas chorando pelas mazelas morais, físicas e legais a si impingidas, restando máculas e estigmas invencíveis.
Um grande número destas pessoas e outras tantas, movidas por desastres naturais e emocionais, colocaram fim ao seu viver, levando consigo sonhos e objetivos, agora impossíveis de realização. O choro não serviu como remédio a aliviar a grande tensão; tornaram-se protagonistas de um irreversível ADEUS.
Males como a depressão e a ansiedade, tão presentes no tempo atual, podem variar o raciocínio e a capacidade de pensar com clareza. As decisões não são processadas com eficácia e o rumo do viver pode dar uma guinada trágica.
O nosso mundo terreno abriga bilhões de habitantes. Todos movidos por sentimentos, emoções e objetivos. Por humanos, padecem dos mesmos males físicos e mentais, mesmo que em línguas e pensamentos diferentes. As pedras do caminho, meu pranto em sentido figurado, ficarão na história de uma vida que passou.