Semanas atrás conversava com um cidadão segundo o qual a esquerda acabou. Baseia-se em quê? No resultado das recentes eleições municipais e na dificuldade de divisar na cena atual algo similar à militância que conheceu em sua juventude.
No meu tempo de faculdade aconteceram algumas passeatas no estilo “contra o sistema”, “pela educação”… Lembro de uma que assisti do janelão do departamento de arte gráfica, onde ganhava alguns trocados como estagiário desenhando com nanquim em papel vegetal. Tinha alguma habilidade e por meses almoçava melhor por conta da modesta bolsa. No bolo da passeata distingui um camarada que não saía da mesa de carteado no centro acadêmico. Olhando em retrospectiva, decorridas mais de quatro décadas, acho que estava mais para informante da repressão, auscultando a presença dos mais exaltados, do que para militante …
O presidente do centro acadêmico naquela época era um sujeito afável, que jamais se formaria. Era um militante da esquerda, que deve ter abandonado o curso de engenharia para conquistar um diploma em alguma área das ciências sociais. Mostrava uma dedicação exemplar ao movimento estudantil, o oposto do que conquistava nas disciplinas em que se matriculava. Tinha alguma ligação com um deputado estadual e é forçoso reconhecer que era um convicto, destes que gostam de discussões coletivas e dedicam seus dias a causas políticas.
Já me formara quando foi fundado o partido que se propunha a representar os trabalhadores. Não muito depois trabalhei no setor metalmecânico no ABC paulista, mais precisamente em São Bernardo do Campo. Era um universo dinâmico e, com menos de trinta anos, em plena redemocratização do país, achei que o caminho estava aberto para que tivéssemos um futuro compatível com nossas potencialidades. Afinal, podíamos nos manifestar livremente e o palco político estava tomado por aqueles que se propalavam os mais honestos da história brasileira, os que quebrariam nossa dependência, com fortes doses de antiamericanismo.
Ainda tinham voz personagens como Luís Carlos Prestes e João Amazonas, que conheci num evento promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência no Campus da Universidade de São Paulo. O PCdoB tinha como inspiração ninguém mais, ninguém menos, que Enver Hohxa e sua Albânia. Então cairia o Muro de Berlim e a esquerda tupiniquim, não tendo como defender sujeitos como Erich Honecker, recolheu-se para reflexões. Naturalmente sem admitir que o comunismo é um fracasso universal. Não. Só não deu certo porque as forças contrárias são muito poderosas! Esta narrativa tranquiliza os espíritos fanáticos e renova suas energias na busca da utopia, deixando pra trás os numerosos e amargos registros distópicos.
O que mudou, desde então? Prestes, Hohxa, Honecker e Amazonas já se foram e seu jeito de expandir o comunismo ficou pra trás. Por isto incautos e apressados acham que a esquerda já era e que o comunismo não assusta mais ninguém. Se olharem para a crescente concentração de poder – que desde muito tem traído nosso pacto federativo,- e a visível supressão de liberdade talvez comecem a acreditar que há algo de podre neste reino e que nossa democracia pode não passar de fachada.
A militância revolucionária, que um dia fez de conta que leu Marx, que sonhou brandir o Livro Vermelho de Mao, foi metamorfoseando seu discurso, mas a dialética segue a mesma.
Numa biografia de Aparício Torelly, o Barão de Itararé, Cláudio Figueiredo reproduz um trecho do “Jornal do Povo” a respeito da conquista do voto feminino, mera “ilusão burguesa”: “Nós desejaríamos que essas cretinas que ainda dividem a Humanidade em machos e fêmeas, e não em exploradores e explorados, nós desejaríamos que elas nos dissessem o que as mulheres – a não as “damas” – têm lucrado com a atividade de Berthas Lutz”.
Bertha Lutz é considerada a grande líder do movimento pelos direitos políticos das brasileiras, marcadamente na conquista sufragista. Atualmente a bandeira feminista e a conversa de empoderamento se alinham ao discurso autoproclamado progressista, caracterizando mais uma vez hipocrisia e apropriação indébita.
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A esquerda mudou seu foco, seguindo a receita da revolução cultural. Entrou nas universidades como nunca e apostou em décadas de transformação. Na revolução tradicional tiros e bombas podem mudar o panorama em questão de semanas ou meses. Nunca deu certo no Brasil. Então a paciência entrou em campo e semeou joio. As instituições foram contaminadas, a colheita é farta e será difícil reverter tudo isto.
Aos que pensam que o comunismo morreu, observem o tamanho do lumpemproletariado, a atuação subterrânea do Foro de São Paulo, a constante pregação do ódio de classes e o uso da dialética negros x brancos, para tomar um exemplo de peso. Percebam que a militância da esquerda é incansável, usa a imprensa para o presente e as universidades para o futuro.
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Circulam pela rede mundial frases atribuídas ao filósofo cubano Armando Ribas. Uma delas tem especial agressividade: “O socialismo é forjado pela inveja, é administrado pela hipocrisia, gera preguiça e destrói a riqueza”.
Quanto a destruir a riqueza, Ribas não está sozinho. No prefácio de “Democracia, o Deus que falhou”, Hans-Hermann Hope dá o tom: “Este livro é um golpe intelectual na democracia. Ele explica que ela é uma máquina de destruição de riqueza, de desperdício econômico e de empobrecimento; e ele a identifica como uma causa sistemática de corrupção moral e degeneração. Em suma: a democracia é mostrada como uma forma “branda” – e especialmente insidiosa – de comunismo. Ao mesmo tempo, este livro apresenta uma rigorosa defesa da instituição da propriedade privada, demonstrando que ela é uma condição necessária para a paz e a prosperidade duradouras”.
O assistencialismo no Brasil corrobora a noção de preguiça: muitos recusam emprego porque não lhes parece compensador esfalfar-se por apenas um pouco mais que o auxílio mensal que recebem. Além disto, qual o prazo para extinção destes auxílios? Parece que o horizonte atual não permite vislumbrá-lo. Ou seja, é uma porta arrombada sem conserto previsto.
Como conjugar os avanços tecnológicos com o excesso de mão-de-obra não qualificada? O crescimento econômico conseguirá incorporar tanta gente? São desafios sequer pensados com responsabilidade no Brasil. A coisa, por aqui, anda conforme a valsa, mas os programadores de comportamento mundial não dormem.
O comunismo prega a extinção da propriedade privada, mas o capitalismo a defende. Será mesmo? Em tese, sim, mas o Forum Econômico Mundial lançou idéias para o mundo em 2030. Uma delas foi: “Você não terá nada e você será feliz. O que você quiser, você vai alugar e será entregue por drone”. Lembre-se que o Forum é financiado por companhias globais com mais de US$ 5 bilhões de receita e que devem situar-se entre as principais dentro de cada ramo de atividade ou de seu país de origem. Autodenomina-se entidade sem fins lucrativos, imparcial, sem nenhum interesse político partidário ou nacional, tendo como compromisso “a melhoria do Estado do Mundo”.
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O metacapitalismo e o comunismo são como gêmeos não univitelinos. São filhos da ambição, concentradores de poder, ateus ontológicos e se apresentam como salvadores sem nenhum interesse. São extremos que se tocam na esfera das relações humanas e por incrível que pareça têm caminhos similares, ainda que suas bandeiras pareçam antípodas.
Como podemos nos posicionar diante destas tendências hegemônicas, que parecem sufocar o futuro próximo? Para responder recorro ao Livro de Jó (28:12-28): “Porém onde se achará a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência? … E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência”.