Federico García Lorca é um dos poetas mais insignes de sua época; nasceu no sul de Espanha, Granada, em Fuente Vaqueros, onde sua família viveu até o ano de 1909; ele tinha um irmão e mais uma irmã, seu pai possuía terras e cultivava vegetais e tabaco, e sua mãe fora professora de escola. A partir de seus onze anos de idade, com a mudança de seus pais, ele viveu na cidade de Granada.
Passava os verões no campo, onde escrevia boa parte de sua obra, sendo poeta e dramaturgo. Desde muito cedo entrou em contacto com as artes através da música e do desenho; em 1915, começou a estudar filosofia e literatura, bem como direito, na Universidade de Granada. Foi membro de pontos de encontro de artistas em Granada, onde entrou em contato com a grandeza da música andaluza.
Entre 1916 e 1917, faz uma série de viagens por Espanha com os seus colegas estudantes, conheceu o poeta Antonio Machado, o qual inspirou seu primeiro livro, “Impressões e paisagens”, em 1918. Em 1919, muda-se para Madrid e instala-se na Residência de Estudiantes, onde convive com numerosas figuras literárias e intelectuais. Aí, sua atividade literária começa a florescer com a publicação de obras como “O malefício da mariposa” (1920), e “Livro de poemas” (1921). Juntamente com um grupo de intelectuais de Granada, fundou a revista “Galo” em 1928; em 1929, viaja para Nova Iorque, registando essa viagem em “Poeta en Nova Iorque”, classificada pelos especialistas como ume das mais importantes produções do autor. “Poeta em Nova Iorque” foi publicado após a morte do autor, em 1940.
Enquanto vivo, Lorca fundou o grupo de teatro universitário “A Barraca”, com o objetivo de levar o teatro ao povo através de peças do chamado Século de Ouro (em Espanha, do século XVI ao século XVI y XVII). Em 1933, uma nova viagem a Buenos Aires aumenta sua popularidade com a estreia de “Bodas de Sangue” e, de regresso a Espanha, um ano depois, continuou a publicar várias peças, como “Yerma” e “A casa de Bernarda Alba” (1936), até que, no mesmo ano, de regresso a Granada, foi preso e fuzilado pelas suas ideias liberais; até hoje não se tem certeza do local onde foi morto.
Garcia Lorca escreveu tanto poesia como teatro, embora nos últimos anos se tenha dedicado mais a este último, participando não só na sua criação, mas também na sua encenação e produção. Em seus primeiros livros de poesia, o autor é mais modernista, mas em uma segunda fase, ele combina o modernismo com a vanguarda, sempre partindo de uma base tradicional.
Quanto a sua obra teatral, Lorca utilizou elementos líricos, míticos e simbólicos, recorreu à canção popular e ao teatro de marionetas; em seu teatro, o visual é tão importante quanto o linguístico, e o drama é sempre predominante. Atualmente, Lorca é o poeta espanhol mais lido de todos os tempos e, em novembro de 2008, a biblioteca do Instituto Cervantes de Tóquio foi inaugurada honrosamente com o nome de Federico García Lorca.
Vamos destacar três de seus poemas; o primeiro faz parte com a coletânea que propõe uma resposta à injustiça e à desumanização de nosso tempo; intitula-se “O Poeta em Nova Iorque”, quando Lorca lá esteve e sentiu-se “saturado”, conforme sua expressão.
“Paisagem da multidão que vomita”. “Anoitecer em Coney Island / A mulher gorda vinha à frente / arrancando as raízes e molhando o pergaminho dos tambores; / a mulher gorda / que revira do avesso a poeira agonizante, / A mulher gorda, inimiga da lua, / corria pelas ruas e pelos apartamentos desabitados / e deixou nos cantos pequenas caveiras de pombos / e levantou as fúrias dos banquetes dos séculos passados / e chamava o demónio do pão pelas colinas do céu varrido / e filtrou uma ânsia de luz nas circulações subterrâneas. São os cemitérios, eu sei, são os cemitérios / e a dor das cozinhas enterradas sob a areia, / são os mortos, os faisões e as maçãs de outro tempo / os que nos empurram para a garganta. / Vinham os rumores da selva do vômito / com as mulheres vazias, com crianças de cera quente, / com árvores fermentadas e camareiras incansáveis / servindo pratos de sal sob as harpas da saliva. / Sem esperança, meu filho, vomita! Não há remédio. / Não é o vómito dos hussardos sobre os seios da prostituta, / nem o vómito do gato que engoliu um sapo por descuido. / São os mortos que arranham com suas mãos da terra / as portas de pedra onde apodrecem nuvens e sobremesas. / A mulher gorda vinha à frente / com as pessoas dos barcos, das tabernas e dos jardins. / O vómito agitava seus tambores delicadamente /entre algumas meninas de sangue / que pediam proteção à lua. / Ai de mim, ai de mim, ai de mim! / Este olhar foi meu, mas já não é meu, / este olhar que treme nu pelo álcool / e despede barcos incríveis / pelas anémonas das docas. / Defendo-me com este olhar / que flui das ondas onde a madrugada não ousa, / eu, um poeta sem braços, perdido / entre a multidão que vomita, / sem um cavalo efusivo que corte / o musgo espesso de minhas têmporas. / Mas a mulher gorda continuava à frente / e o povo procurava as farmácias / onde se fixa o trópico amargo. / Só quando a bandeira foi hasteada e os primeiros cães chegaram / a cidade inteira se agrupou nas grades do cais.”
A segunda obra poética compõe uma série chamada “Introdução à morte”, e é “Valsa Vienense”. “Em Viena há dez raparigas, / um ombro onde a morte soluça / e uma floresta de pombos empalhados. / Há um fragmento da manhã / no museu da geada. / Há um salão com mil janelas. / Ai de mim, ai de mim, ai de mim, ai de mim! / Toma esta valsa de boca fechada. / Esta valsa, esta valsa, esta valsa, / do sim, da morte e do conhaque / que mergulha a cauda no mar. / Te amo, te amo, te amo, / com a poltrona e o livro morto, / pelo corredor melancólico, / no sótão escuro do lírio, / em nossa cama da lua / e na dança que sonha a tartaruga. / Ai de mim, ai de mim, ai de mim, ai de mim! / Pega esta valsa de cintura quebrada. / Em Viena há quatro espelhos / onde jogam tua boca e os ecos. / Há uma morte para piano / que pinta os jovens de azul. / Há mendigos nos telhados. / Há grinaldas frescas de choro. / Ai, ai, ai, ai! / Toma esta valsa que morre em meus braços. / Porque te amo, eu te amo, meu amor, / No sótão onde as crianças brincam, / sonhando com as velhas luzes da Hungria / nos sussurros da noite quente, / observando ovelhas e lírios de neve / no silêncio escuro de tua testa. / Ai de mim, ai de mim, ai de mim, ai de mim! / Pego esta valsa de “Amo-te sempre”. / Em Viena dançarei contigo com um disfarço que tenha / a cabeça de um rio. / Olha como tenho margens de jacintos! / Deixarei minha alma em fotografias e açucenas, / e nas ondas escuras de teu caminhar / quero, meu amor, meu amor, deixar, / violino e sepulcro, as fitas da valsa.”
Finalmente, apresentamos “Morte”. “Que esforço! / Que esforço do cavalo para ser cão! / Que esforço do cão para ser andorinha! / Que esforço da andorinha para ser uma abelha! / Que esforço da abelha para ser um cavalo! / E o cavalo, / Que seta afiada espreme da rosa! / Que rosa cinzenta ele levanta do seu campanário! / E a rosa, / Que bando de luzes e uivos / Se liga no açúcar vivo do seu tronco! / E o açúcar, / que pequenos punhais sonham na sua vigília! / E os punhais, / que lua sem estábulos, que nua! / Pele eterna e rubor, vão à procura. / E eu, através dos beirais, / que serafim de chamas procuro e sou! / Mas o arco de gesso, / quão grande, quão invisível, quão minúsculo! / sem esforço.”
Como Federico Garcia Lorca é pródigo em sua composição poética e igualmente possui imenso e variado repertório, vamos aguardar um outro momento para nos dirigirmos ao autor e aproveitarmos de sua sabedoria e sensibilidade.