A poeta norte-americana Elizabeth Bishop – 1911-1979 – nunca havia colocado os pés no Brasil antes de desembarcar no porto de Santos em 1951 para uma estada breve de duas semanas. Mas ela foi visitar amigos no Rio, apaixonou-se e acabou morando no país por mais de quinze anos. Bishop chegou com apenas um livro publicado e ainda longe de ser reconhecida como uma das maiores poetas do século XX, reconhecimento que viria só bem mais tarde.
Ela produziu boa parte de sua obra em terra brasileira, o que provocou uma grande influência sobre seus versos, e igualmente ajudou a divulgar a poesia brasileira no mundo. Morando aqui, a autora criou uma relação tão íntima com o Brasil que se permitiu tecer em sua prosa e correspondências com amigos, com críticas à cultura e aos costumes brasileiros e comentários sobre os eventos que testemunhava por aqui, incluindo as situações políticas.
A poetisa será a primeira autora estrangeira homenageada pela Flip (Festa Internacional Paraty, no Rio de Janeiro), em 2020. A organização do evento diz que a poeta fora cogitada como uma possível homenageada há mais de dez anos e que seu nome foi sugerido por várias pessoas à direção da Flip. Sua produção é considerada concisa, são apenas cento e um poemas divididos em três livros, ao longo de seus 68 anos de vida; quando estudamos sua obra, defrontamos com um perfeccionismo e autocrítica extremos, que a faziam se dedicar meses ou mesmo anos a um único texto.
Bishop só publicava quando achava que estava perfeito, irretocável; em seus esboços de poema, percebemos que eles começam de maneira sentimental e sem redação completa, e que vai sendo aperfeiçoado até tudo se encaixar e virar uma obra perfeita. Esse zelo pelas palavras rendeu a Bishop dois dos principais prêmios literários dos Estados Unidos: o Pulitzer, em 1956, pela antologia poética ‘North & South’ (‘Norte e Sul’), e o National Book Award (Prêmio Nacional do Livro), em 1970, com ‘The Complete Poems’ (‘Os Poemas Completos’).
Em sua obra, Bishop cria uma tensão interessante entre a modernidade e a tradição: ela usa formas modernas, como versos livres, e formas clássicas, como sonetos; e mesmo quando utiliza os feitios eruditos, ela exibe uma linguagem radicalmente coloquial. Sua temática tem elementos líricos e autobiográficos, mas ela não cai em extravasamento emocional, Elisabeth coloca sua vida no que escreve, mas de forma discreta. Sobre a poesia brasileira, a autora afirmou que o que havia lido até dado momento era “tudo gracioso, delicado”; apreciava os poetas João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade; também gostava de Euclides da Cunha e dizia que o autor de ‘Os Sertões’ só ficava atrás de Machado de Assis.
Ainda fez traduções para o inglês de poetas brasileiros como Drummond, Cabral, Cecília Meireles e Joaquim Cardozo, depois reunidas em ‘An Anthology of Twentieth-Century Brazilian Poetry’ (‘Uma Antologia da Poesia Brasileira do Século 20’).
Obras de Elizabeth Bishop: Poesia; ‘Poemas de Elizabeth Bishop’, 1990; ‘Poemas do Brasil’, 1999; ‘O iceberg imaginário e outros poemas’, 2001; ‘Poemas escolhidos’, 2012. Prosa: ‘Afeto e outras histórias’, 1996; ‘Elizabeth Bishop – anos 40’, 2014. Cartas: ‘Uma arte: as cartas de Elizabeth Bishop’, 1995; ‘Palavras no ar: a correspondência entre Elizabeth Bishop e Robert Lowell’, s/d. Entrevistas: ‘Conversas com Elizabeth Bishop’, 2013. Biografia: ‘Flores raras e banalíssimas: A história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop’, 1995; ‘A arte de perder’, 2011. Antologias (participação): ‘Poesia alheia: 124 poemas traduzidos’, 1998.
Passamos a alguns poemas de Elizabeth Bishop.
Primeiro: ‘O mapa’ (‘The Map’); Terra entre águas, sombreada de verde. / Sombras, talvez rasos, lhe traçam o contorno, / uma linha de recifes, algas como adorno, /riscando o azul singelo com seu verde. / Ou a terra avança sobre o mar e o levanta / e abarca, sem bulir suas águas lentas? / Ao longo das praias pardacentas / será que a terra puxa o mar e o levanta? / A sombra da Terra Nova jaz imóvel. / O Labrador é amarelo, onde o esquimó sonhador / o untou de óleo. Afagamos essas belas baías, / em vitrines, como se fossem florir, ou como se / para servir de aquário a peixes invisíveis. / Os nomes dos portos se espraiam pelo mar, / os nomes das cidades sobem as serras vizinhas / – aqui o impressor experimentou um sentimento semelhante / ao da emoção ultrapassando demais a sua causa. / As penínsulas pegam a água entre polegar e indicador / como mulheres apalpando pano antes de comprar. / As águas mapeadas são mais tranquilas que a terra, / e lhe emprestam sua forma ondulada: / a lebre da Noruega corre para o sul, afobada, / perfis investigam o mar, onde há terra. /É compulsório, ou os países escolhem as suas cores? / – As mais condizentes com a nação ou as águas nacionais. / Topografia é imparcial; norte e oeste são iguais. / Mais sutis que as do historiador são do cartógrafo as cores.’
Segundo poema: ‘Noturno’ (‘Late air’); Da manga escura de um mágico / os cantores de rádio / espalham canções de amor / pela grama, sobre o orvalho noturno. / E preveem para o futuro, / qual cartomantes, o que se quiser supor. / Mas na antena do estaleiro distingo / observadores mais dignos / de apreciar o amor. Do alto de seu galho / cinco luzes vermelhas, remotas, / se aninham; fênix silenciosas, / ardendo aonde nunca chega o orvalho.’
Terceiro poema: ‘Insônia’ (‘Insomnia‘); A lua no espelho da cômoda / está a mil milhas, ou mais / (e se olha, talvez com orgulho, / porém não sorri jamais) / muito além do sono, eu diria, / ou então só dorme de dia. / Se o Mundo a abandonasse, / ela o mandava pro inferno, / e num lago ou num espelho / faria seu lar eterno. / – Envolve em gaze e joga / tudo que te faz sofrer no / poço desse mundo inverso / onde o esquerdo é que é o direito, / onde as sombras são os corpos, / e à noite ninguém se deita, / e o céu é raso como o oceano / é profundo, e tu me amas.’
Pois bem, ouso recomendar a leitura dessa poeta, a qualquer momento; Elizabeth Bishop é excepcional!