Nesta tarde assistimos “Ainda estou aqui”, recentemente premiado. Bom roteiro, mas lento e sem brilho. Escutei que a atriz principal teria atuado de forma contida para seguir o estilo de Eunice Paiva. Talvez por isto o filme não emocione. Talvez, sobretudo, porque além de contar uma história o diretor tenha se preocupado mais em denunciar.
Walter Sales, aliás, cumpriu um papelão ao manifestar, na televisão norte-americana, que no governo anterior não havia condições de produzir o filme … Talvez não conseguisse captar recursos federais, mas ele próprio tem patrimônio que lhe permitiria produzir dezenas de filmes baratos como “Ainda estou aqui”. O Brasil não era uma democracia? E agora é? Imaginemos que alguém jogasse futebol com uma bola que representasse o atual presidente … Fizeram isto com o presidente anterior e não lembro de alguma instância jurídica que se senha manifestado a respeito.
O problema de “Ainda estou aqui” é que transmite a idéia de que ninguém tinha qualquer ligação com movimentos terroristas. Ainda assim, alto lá! Que fique bem claro: por óbvio não aprovaria qualquer tortura e muito menos a morte de um prisioneiro político. Mas omitir que o Brasil vivia a ameaça de um regime comunista é pura e sórdida desonestidade intelectual. Ou não era uma luta armada, que assaltava e sequestrava?
Não havia ligação com Cuba? Lamarca e Marighella não eram comunistas? O terrorismo não matou? Marighella não foi treinado em Cuba? Quem sabe os céticos possam ler o “Manual do guerrilheiro urbano”, de sua autoria: https://www.documentosrevelados.com.br/wp-content/uploads/2015/08/carlos-marighella-manual-do-guerrilheiro-urbano.pdf .
Vejamos um trecho do manual:
“As linhas telefônicas e telegráficas podem ser sistematicamente danificadas, suas torres serem destruídas, e suas linhas ficarem sem uso algum. As comunicações e o transporte devem ser sabotados imediatamente, porque a guerra revolucionária já começou no Brasil e é essencial impedir o movimento de tropas e munições do inimigo”.
Marighella, portanto, foi explícito: guerra revolucionária. Sua pregação era essencialmente antiamericana:
“As empresas e propriedades norte-americanas no país, por sua parte, devem ser alvos tão frequentes de sabotagem que o volume das ações dirigidas sobrepasse o total de todas outras ações contra os pontos vitais do inimigo”.
Num depoimento a Geneton Morais Neto, Carlos Eugênio Paz, integrante da luta armada, pertencente ao grupo Ação Libertadora Nacional, confessou ter participado do julgamento e execução de um companheiro. Segundo o tribunal sumário, o executado expôs os demais em uma ação por não ter disparado sua metralhadora quando policiais os surpreenderam.
Voltemos ao Manual do Guerrilheiro Urbano, que previa tais situações:
“Já que nossa luta toma lugar entre as massas e depende de sua simpatia – enquanto que o governo tem uma má reputação devido a sua brutalidade, corrupção e incompetência – os informantes, espiões, traidores, e a polícia vem a serem os inimigos da população sem apoiadores, denunciados aos guerrilheiros urbanos, e em muitos casos, devidamente castigados.”
Por último, vejamos o que Marighella pregou a respeito da guerra de nervos:
“A guerra de nervos ou guerra psicológica é uma técnica agressiva, baseada no direto ou indireto uso dos meios de comunicação de massas e notícias transmitidas oralmente com o propósito de desmoralizar o governo. Na guerra psicológica, o governo esta sempre em desvantagem, porque impõe censura nas massas e termina numa posição defensiva por não deixar nada contrário infiltrar-se. Neste ponto desespera-se, envolve-se em grandes contradições e perda de prestígio, perde tempo e energias num cansado esforço ao controle, qual é sujeito a romper-se em qualquer momento. O objeto da guerra de nervos é para enganar, propagar mentiras entre as autoridades na qual todos podem participar, assim criando um ar de nervosismo, descrédito, insegurança e preocupação por parte do governo.”
Pelo que temos visto nos últimos anos, não é só em guerrilha que tais estratégias são utilizadas.
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Olhando em retrospectiva, desde o episódio dos 18 do Forte, da Coluna Prestes, da Intentona Comunista e do clima pré-revolucionário de 1964, me parece que em todos estes eventos históricos um convidado pelos insurgentes não se aprestou. Faltou um pequeno detalhe: o povo.
Prestes e sua Coluna andaram mais de vinte mil quilômetros pelo país, mas não lograram uma adesão massiva. Em 1964 o povo mostrou-se conservador e os ideólogos da esquerda não levaram o prêmio. Quem apoiava o sonho socialista? Militares de baixa patente, uns tantos que se acreditavam intelectuais, alguns cantores e artistas, mas o povo …
Em suas memórias (Na trilha de Adão), Thor Heyerdahl relembra momentos de enorme dificuldade. Ele, a esposa e um filho haviam deixado Fatuhiva, um pequeno paraíso na Polinésia Francesa. Chegaram nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra. Sua situação logo tornou-se precária porque deixara a Noruega na condição de estudante e isto o impedia de trabalhar:
“Quem sofre o infortúnio da fome não precisa de motivações políticas quando resolve arriscar-se a seguir os passos de líderes revolucionários, atendam eles pelo nome de Fidel Castro ou Joana d´Arc. Estômagos satisfeitos nunca serão capazes de fazer uma revolução.”
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Minha geração já viu um pouco de tudo e por isto demonstra um certo cansaço. Acreditávamos que o Brasil faria jus à sua grandeza, aos seus recursos naturais. Para nosso martírio, muitos jovens, doutrinados pelos que seguem pregando o comunismo, apoiam até mesmo ladrões em funções públicas. Desde que digam que são democratas e que lutam por justiça social … Palavras mágicas: justiça social. Tudo se justifica sob elas, como um abracadabra ideológico.
Talvez não haja dor maior na nossa consciência cívica: jovens fascinados por “Ainda estou aqui” porque desconhecem a história. Se fizeram reféns de uma narrativa.
Paramos no tempo. A cantilena sob a qual vivemos é uma pesada bola de ferro acorrentada no tornozelo do país. A coisa não anda e tudo se repete, como se vivêssemos sob o “Feitiço do Tempo”.
Como não avançamos, o filme que hoje nos traduz poderia chamar-se “Ainda estamos lá”.
Precisamos sair deste buraco.